Prancha com rodinhas

Mal o almoço assentara, o pai o chamou e disse que compraria a tal “prancha com rodinhas”, porque não aguentava mais aquele choramingo diário. A mãe, que passava pela sala, arregalou os olhos, mas não interveio. Deu tempo de ouvir que os treinos de futebol continuariam, porque poderia lhe dar profissão e dinheiro. Quanto aos estudos, nada disse.

O garoto sentiu o coração disparar. Tinha a impressão de que aguardava aquilo desde que nascera, 11 anos antes. De noite não dormiu, mas sonhou com as manobras que faria. Com medo de o pai descumprir, não contou para ninguém. Demorou 20 dias. Aliás, 11 anos e 20 dias. Mas chegou. Usado e descascado. Mas era seu. Na rua gerou risos. Mas de inveja. Só o melhor amigo comemorou. Naquele dia, ele deixou de ser o pidoncho de “voltinha no skate”; ex-refém, pensou.

A bola foi largada aos poucos, à medida que os primeiros troféus e fraturas chegaram. O nome saiu no jornal pela primeira de muitas vezes. O pai aquiesceu. O que ambos não sabiam é que aquilo daria profissão e dinheiro. Levaria 20 anos, é verdade. Aliás, 20 anos e 11 dias. Culminaria com uma participação olímpica, em 2028, em Nova Déli, durante a pandemia do neo-pós-moderno coronavírus.

Na biografia do craque, escrita pelo, ainda, melhor amigo, três anos após o ouro olímpico, ele afirmaria: “Meu pai, que já não está entre nós, ao me dar a tal ‘prancha com rodinhas’, ampliou meu horizonte. De início, me livrou de ser pidão, o que me incomodava. Ah, aquele brinquedo surrado alimentou a minha paixão. Esta o meu sonho. E este a minha vida. O skate, literalmente, me levou longe, por todo o mundo, para toda gente, para a eternidade”.

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