Racistas, baixem suas cristas de espinhos virulentos, contemplem o poder iluminado da diversidade étnica e curvem-se diante da vitória majestosa de uma mulher, negra e pobre a quem havia restado comer os restos, as migalhas caídas das mesas fartas de comida e vazias de bênçãos e graças da Casa Grande e, mesmo decepcionados, de joelhos, ouvi:
Vocês, racistas do mundo, em especial do Brasil supostamente cordial e feliz que insiste em repisar a inexistência do preconceito étnico; vocês, hipócritas escondidos atrás do discurso da democracia das raças, branquelos lívidos gerados na dureza das pedras do deserto, homens e mulheres estultos e de sentimentos aquecidos pela escuridão das trevas, habitantes de corações acorrentados onde a luz da vida se recusa iluminar.
Vocês resistem às rajadas das tempestades solares porque foram gerados nos lugares onde nada frutifica, morada dos escorpiões de sangue contaminado por raios tóxicos, ninhos de serpentes viscosas incapazes, elas mesmas, de suportar o cheiro do próprio veneno; habitação de lagartos pré-históricos nascidos no esgoto e que sobreviveram, mas foram condenados a vagar até os confins do mundo pelos séculos dos séculos.
Vocês, racistas, sentenciados a sobreviver em terras improdutivas suportam a ação destruidora da areia do deserto porque nem a areia, afeita à secura e sinônimo de devastação, aceitou acolher seus restos de matéria podre e, quando morrerem, não conhecerão o significado da semente que renasce. Nos livros da vida, vocês seguirão presos à aridez de terrenos onde nem os vermes sobrevivem e onde nada frutifica e, em se plantando, nada produz porque a esterilidade habitou, para sempre, seus corpos e suas almas.
Vocês, racistas, que desconhecem o significado de sensibilidade e são incapazes de entender o princípio da generosidade; visitaram as profundezas dos pântanos fétidos e foram recebidos nos salões nobres dos demônios e, mesmo lançados ao fogo do inferno, não conseguiram se purificar.
Ouvi, racistas e preconceituosos de todas as estirpes e procedências: ainda há tempo. Deus não é deus de vingança nem de julgamento. Deus é Deus da Graça e do Amor, que oferta o sol para justos e injustos e lança a chuva abençoada para todos indistintamente. Eis o tempo do arrependimento, eis o tempo do perdão.
Reconheçam o talento dessa menina, mulher, negra e pobre criada pela mãe e destinada a sobreviver nas esquinas marginais desta terra dita rica e cristã. A misericórdia divina proveu meios e ela deixou a submissão para se tornar rainha. Ave Rebeca Andrade, bendita seja entre as mulheres, gratidão pela belíssima conquista da prata que deveria ser somente sua, mas você, coberta pela mansidão das grandes almas, a dividiu com todos nós.
Bendito seja seu discurso. Sem esquecer os pares, os apoios, as influências e a ancestralidade você proferiu uma frase histórica neste Brasil de brancos: “Tenho orgulho de mim”. Tenha mesmo. Orgulhe-se de ser mulher, de ser negra e de ter se tornado soberana em um reino que, no máximo, lhe prometeu migalhas.
Farte-se do banquete que você tem à frente. Orgulhe do seu feito e, com humildade, siga seu destino vitorioso. Ave Rebeca Andrade. Nós também nos orgulhamos de você.
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João Nunes
João Nunes é formado em teologia e jornalismo. É integrante da Associação Brasileira de Críticos de Cinema e autor do livro Paulínia – Uma História de Cinema (Paco Editorial, 2019). Atualmente assina a coluna Sala de Cinema no site horacampinas.com.br.
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