Nenhum jogo, hoje, me encanta mais do que o tênis, Coelho!
– Tênis, irmão! E o futebol?
– Prefiro o tênis.
– Por quê?
– Porque é o jogador e o jogo. Não há a figura do treinador interferindo.
Coelho fez uma cara de cenoura.
– E o adversário?
– Quando disse jogo, isso inclui o adversário, né?
– Mas, qual é o problema de haver o treinador?
– Coelho, esse magrelo não tá bem! – interveio o Orelha.
– Eu não tô bem, Orelhudo? Presta atenção: o que tem me incomodado é o destaque que se dá para o treinador no dia do jogo. No tênis não há isso! O treinador está lá, em algum lugar da arquibancada, mas não pode falar. Não pode intervir. Ele assiste.
– E o que tem isso, Magrelo?
– Ora, sem o treinador, o protagonismo é do jogador e ponto.
– E no futebol, não?
– Também! Mas muita gente acha que o protagonista é o treinador. Tanto que fica aquela coisa de trocar o treinador se o time perde ou de endeusar o treinador se o time ganha, achando que ele tem um poder que não tem, sobrenatural, quase onipresente, como se isso fosse possível!
– Viu, Coelho! Olha aí as coisas que ele fala! – Orelha falou sorrindo, encarnando.
– No tênis, a gente nem sabe se e quando o treinador é trocado. E, se for, é o próprio jogador quem o troca. Aliás, é ele quem contrata também! Mas o mais interessante é a autonomia que isso gera no tenista no dia do jogo, pois ninguém fica falando na sua cabeça. Ele tem de ser ele todo o tempo e não alguém que não quer ser, como muitas vezes acontece no futebol.
– Magrelo, o treinador não pode orientar o cara mesmo?
– Não! Se fizer, tem punição. Esse esporte “diz” para o treinador: os seus dias para construir o jogar são os de treino! Agora, não pode mais. Curta, sofra, pense, mas silenciosamente.
– Mas não seria bom se ele pudesse falar, como no futebol?
– Tenho minhas dúvidas, Coelho! Vejo jogos de futebol em que o treinador fala como se pudesse ser ouvido cada vez que fala, outros brigam com o jogador, outros gesticulam coisas horríveis, que, em outro contexto, seriam pornográficas, outros só reclamam, há que se comporte como se pudesse decidir pelo jogador, como se tivesse o controle do jogo e há quem faça tudo isso no mesmo jogo.
Orelha fechou as sobrancelhas.
– Magrelo, isso eu tenho de concordar com você! Não queria, mas tenho. Há treinadores no futebol que repetem a mesma coisa toda vez que o cara pega na bola. Porra, não treinam, não? Fora a câmera, que vive em cima do cara! Mais no cara do que nos jogadores. Você não tá bem, tá ficando velho, mas isso eu concordo com você – e sorriu novamente.
– São esportes diferentes, Magrelo! No futebol são 11, porra!
– Sim, eu sei, Coelho! Mas quem decide é o jogador lá e cá. Já imaginou se os treinadores de futebol não pudessem instruir na hora do jogo? Sequer ficarem ali na beira do campo? Como seria?
– Seria uma loucura! Os caras não jogariam.
– Tá vendo? A gente acha que, sem o treinador, o jogador não joga. Claro que joga! E mais: para que serve o treino? Pensa: o treinador treina o tenista, que envolve instruir, encorajar, desafiar, criticar, analisar, inclusive, o adversário, mas, na hora do jogo, é com o jogador. Por isso, hoje, prefiro o tênis. Eu vi, recentemente, um jogo entre o Djokovic e o Zverev nos Jogos Olímpicos
– Isve o quê?
– Zverev! Ele é o quarto do mundo. E o outro é o primeiro. Cara, o alemão triturou o sérvio! E, a cada pequeno intervalo, ambos sentavam nas suas cadeirinhas e, naquele momento, sem recorrer ao treinador, reviam mentalmente o jogo, eram seus próprios treinadores. Isso não é demais?
– Isso não rolaria nunca no futebol, carai! Os caras se pegariam na porrada.
– É provável! Mas quantas vezes e até quando? E se fosse essa a regra desde a juventude? Já imaginou os jogadores sem o treinador na beira do campo, com base no que treinaram e diante das circunstâncias do jogo, comprometerem-se em fazer algo que seja realmente efetivo? Entrar com estratégia, mas também ter de corrigir a rota em curso? Um orientando o outro?
– Te falei, Coelho. Ele não tá bem.
– Já imaginou se fosse assim e não do jeito que é, como seria a preparação? A qualidade do treino? O envolvimento com o jogar? Que tipo de jogador de futebol teríamos? Será que, sem o treinador ali, o jogador não levaria o que importa, que é o que foi construído até o dia do jogo?
– Não dá pra tirar o treinador, Magrelo. E o poder simbólico do cara, a leitura e a orientação pertinentes, as alterações de jogadores, a inteligência do cara ajudando o time…
– Tá! Mas também do jeito que está não deveria ficar! Como disse o Orelhudo, a câmera da TV tá mais no treinador do que no jogador!
– Sem o treinador não funciona, Magrelo!
– Mas que tá chato tá, hein?
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Wilton Santana
Wilton é um leonino que não acredita em horóscopo, professor doutor que não acredita no sistema Sucupira, eleitor que não acredita nos políticos e cristão que não acredita na religiosidade. Mas, acredita que é “preciso ter manha, é preciso ter graça, é preciso ter sonho sempre”.
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