Igarashi e Taimazova: injustiça não é desonra

Não me lembro com clareza das vezes em que me senti injustiçado no esporte, mas me lembro bem de quando um erro do árbitro me deu a vitória. Na hora em que tudo acontece, você só consegue perceber a aura de incerteza que se apodera do momento, mas acredita na decisão dos árbitros, até porque, você venceu. É só depois, com a repercussão e o testemunho de pessoas de confiança, que você se dá conta de que foi beneficiado por um erro. A sensação é estranha e irônica: traz o sabor da vitória, mas deixa o hálito da injustiça.

Fico pensando o que Kanoa Igarashi, o anfitrião olímpico que derrotou Gabriel Medina, pensou quando viu o repeteco das manobras de Medina e de suas próprias. Com certeza, ficou tentando encontrar detalhes que justificassem seu triunfo, mas, no fim, “cá entre ele”, sentiu, na boca, o hálito da injustiça. Ainda assim, não há muito mais o que possa fazer — e o mesmo vale para o derrotado.

O caso de Maria Portela, a gaúcha com um coração do tamanho do Rio Grande do Sul, é parecido. A decisão da arbitragem, depois de consultar o VAR, de não pontuar, com wazari, o belíssimo sode-tsurikomi-goshi que ela aplicou na jovem russa Madina Taimazova, pareceu-me, de imediato, um pesadelo. Com três minutos de Golden Score, oito de luta, aquela decisão era uma espécie de sentença de derrota para a brasileira. No judô — esporte que pratico —, um minuto de luta equivale a uns dois quilômetros (km) de corrida, e elas já tinham “percorrido” 16 km. Só de assistir, eu já estava exausto e aquele erro, em mim, foi um ippon, obviamente, contra.

Taimazova não tinha o que fazer também. Ela não poderia contestar os árbitros. Apesar de ter girado sobre os próprios ombros, de ter tocado a nuca e a ponta das costas no tatame, durante uma luta, o atleta não está atento a essas sutilezas tão decisivas. Seguramente, ela só pensava em se contorcer no ar e cair com a barriga no tatame; levantar e recomeçar. Ainda assim, ela deve ter desconfiado de que aquele golpe poderia ser seu fim nos Jogos Olímpicos, mas, se o árbitro não deu, nem mesmo depois da conferência no VAR, não seria ela a tomar essa decisão.

Uma vez, durante uma Copa São Paulo de Judô (de aspirantes), na semifinal, eu apliquei um uchi-mata de esquerda. Eu senti meu pé tocar na perna do adversário, mas, ainda assim, minha perna se projetou para o alto, sem muita resistência, com força e velocidade, o que me fez dar uma cambalhota. Meu adversário rodou comigo e os árbitros deram, para surpresa dele, ippon para mim. Na cabeça dele, havia aplicado um contragolpe e vencido a luta. Na minha, havia um ponto de interrogação. Quando o árbitro me declarou vencedor, julguei que havia acertado o golpe e projetado meu adversário — afinal, ele girou comigo.

Meu sensei estava na arquibancada e observou a minha comemoração. Depois, chegou até mim, e disse: “Se eu fosse o árbitro, daria a vitória ao seu adversário. Ele lhe aplicou um contragolpe”. Fiquei confuso e decepcionado, inclusive, porque não havia como voltar no tempo e corrigir a injustiça…

Na vida e no esporte, para o vencedor e para o derrotado, não há outra alternativa, senão, seguir em frente e fazer, do futuro, um novo presente. “Ainda tenho a chance de conseguir uma medalha na disputa por equipes”, foi o que disse Portela, aos prantos, ainda sentindo a dor da derrota à beira do tatame de Tóquio. “Minha parte eu fiz. Agora, é continuar trabalhando”, foi o que disse Medina, mal dissimulando a indignação que lhe fazia entremear a entrevista com suspiros de tristeza.

Os vencedores também caminharam para os seus respectivos futuros. Igarashi, felizmente, apesar de todo o empenho, não foi páreo para o nosso Ítalo Ferreira: ficou com a prata. A russa mostrou, no correr da competição, que tinha tanto coração quanto Maria Portela. Dignificando sua contestada vitória, derrotou a grega nas quartas de final e, na semifinal, contra a japonesa, foi para mais um Golden Score, escapou de uma chave de braço, foi pega num estrangulamento, mas não bateu, desmaiou (e perdeu). Restou-lhe então, a disputa do bronze, contra a croata. Em mais um Golden Score, com o olho roxo e inchado, ela faturou um bronze pra lá de honrado.

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