Numa Olimpíada, há histórias demais e tempo de menos para registrá-las (a tempo), como pede uma crônica. Embora possa ser “atemporal”, a crônica tem data. Crônica vem de cronos, titã do tempo, pai de Zeus — o maior dos deuses do Olimpo. Era a Zeus que se acendia a tocha das Olimpíadas da Antiguidade. Os Jogos Olímpicos eram um culto a Zeus, que, antes, na cosmogênese grega, precisou matar seu pai para salvar-se e salvar seus irmãos.
Ao derrotar os titãs, os deuses do Olimpo precisavam eternizar seu incrível feito. Então, Zeus, por nove noites, amou Mnemósine, a deusa da memória. Dessa comunhão, nasceram as nove Musas das Artes… Ao derrotar Cronos, Zeus não chegou a vencer o tempo, mas, na comunhão com Mnemósine e por meio das artes que daí frutificaram, venceu. De musa, derivam palavras como música e museu. É pelas artes que os homens tocam o dedo de Deus e se aproximam da impalpável imortalidade. As Olimpíadas, assim, são uma oportunidade de a humanidade unir a Terra e o Céu.
Daí que os feitos das musas olímpicas brasileiras estão acima de todas as crônicas que se possa escrever sobre elas, embora toda crônica, por mais temporal que possa parecer, também anseia a imortalidade, porque são músicas que cantam o heroísmo de Rayssa Leal, a Fadinha; Rebeca Andrade, minha conterrânea; Mayra Aguiar, minha ídola, e Laura Pigossi e Luísa Stefani, cujo feito inédito tornou-se ainda mais heroico pelo fato de, antes, parecer impensável.
Isso só para falar das medalhas conquistadas até aqui, sem contar (ou cantar) as que ainda virão, nem as medalhas invisíveis que carregam no peito as musas que não subiram ao pódio, mas que brilharam seu amor pelo que fazem em Tóquio.
Sigo acompanhando, não sem certa angústia — pela falta de tempo para registrar —, o soar de bronze, prata e ouro das harpas das musas aladas brasileiras, com ou sem medalhas, mas religiosamente comprometidas com o passado, com suas raízes, com as pessoas que as ajudaram a voar, a ter histórias para contar e futuro… para trilhar.
Foto: Ricardo Bufolin/CBG