Envolver-se na atmosfera olímpica é ter oportunidade de pensar os temas que cruzam nossos dias ao sabor do acaso. O inesperado. Assim como uma baleia que de súbito resolve fazer o seu Aéreo no mar de Teahupoo. Outside, é claro, mas roubando a cena promovida pelas câmeras focadas em uma competição de surf.
Embora não fosse tão inesperado assim, um gol do atacante francês Jean-Philippe Mateta deu a vitória da seleção de futebol do seu país sobre a Argentina e mandou pra casa a poderosa adversária. A melhor resposta que o filho de um congolês imigrante, preto, poderia oferecer ao grupo de atletas brancos sul-americanos que se acha autorizado a compor e entoar cânticos racistas, homofóbicos e xenofóbicos pra insultar uma equipe que tem no multiculturalismo o seu maior valor. O gesto ocupou as mentes impulsionando o pensar necessário sobre a dor imposta por questões outras além dos machucados do corpo.
Foi aos pés da torre Eiffel que a dupla Carol Solberg e Bárbara Seixas garantiu sua vaga em mais uma etapa do vôlei de praia, em uma disputa muito acirrada. O dia era 02 de agosto. Aniversário de uma grande atleta do Vôlei brasileiro e pioneira na modalidade, no então recém-criado Circuito Brasileiro de Vôlei de Praia (1992). Estamos falando de Isabel Salgado, também reconhecida como pioneira na luta pelos direitos das mulheres no esporte, cuja corpo atlético e bem cuidado foi vencido por uma bactéria improvável. Estamos falando da mãe de Carol e de outros quatro filhos criados entre bolas, quadras e areia. Obviamente, a classificação nesse dia iluminou o riso da filha que também é mãe, mas também jogou luz sobre a discussão da relação entre mulheres, esporte e maternidade. Uma luta assumida pela judoca francesa Clarisse Agbegnenou, que levou o COI a reservar quartos de hotel para atletas que estivessem amamentando. A ação é mais um passo para a igualdade de gênero proposta pela Olimpíada de Paris.
E por falar em judô e mulheres, há muito o que pensar sobre o que fizeram as nossas meninas hoje na Arena Champs de Mars. Competição por equipe mista empatada depois de duas vitorias e uma derrota das meninas contra uma vitória e duas derrotas dos meninos. Para desempatar, uma roleta jogou Rafaela Silva no tatame novamente. Como se precisasse ser dela a vitória que daria uma medalha inédita ao time brasileiro. Justo Rafaela, que há poucos dias chorava uma derrota pra si mesma, desclassificada por um erro que tirou sua chance de medalha individual.
Quanto de um erro ou de um acerto se deve ao imponderável?
Assim como o erro da melhor jogadora de futebol do mundo. Marta Vieira ficou de fora do jogo mais importante da fase classificatória até aqui, quando a seleção enfrentaria as donas da casa e um estádio lotado. Ou, o acerto da goleira Lorena. Ao apostar no canto certo, um chute de pênalti levaria a bola para suas mãos impedindo o avanço das adversárias. O longo tempo da partida trouxe a certeza da vitória que nem os inacreditáveis dezoito minutos de acréscimo reverteria.
Quanto do brilho de um momento deve sua cor às circunstâncias?
Como o brilho da perfeição de Rebeca Andrade que poderia ser dourado se o tempo dela não tivesse sido atravessado pela genialidade de Simone Biles. Ou, o brilho tão adiado de Caio Bonfim que reluziria como ouro se o tempo de chegada se atrasasse em 14 segundos naquela estranha marcha.
São tantas as incertezas.
Que o diga novamente o surf, cujo embate de hoje foi adiado. São tantos os balanços a serem contemplados, levando em conta as ondas de um mar voluntarioso que se esparrama sobre o calendário e sobre o nível das notas de cada bateria. Pois ainda que estejamos no controle do corpo, ali tudo depende do vento. Só no surf?