Navegar é preciso

O biógrafo Plutarco, no século II, escreveu que Pompeu, o Grande (Cnaeus Pompeius Magnus – Século I a.C), dizia aos marinheiros acuados diante de uma tempestade: “Navigare necesse est; vivere non est necesse”. Muito depois veio Fernando Pessoa e seus poemas em língua derivada, querendo para si o espírito da frase que hoje uso como título. Ao mesmo tempo em que reverenciava seus ancestrais e o desafio de limites entre terra e mar, afirmava seu desejo de consumir-se no navegar criativo: “ainda que para isso tenha de ser o meu corpo (e a minha alma) a lenha desse fogo”.

Um século depois chega Isaquias, o Baiano da Canoagem, usando a mesma metáfora em palavras simples: “vou vomitar sangue pelo ouro”. Navegou além dos seus limites. Carrega o ouro no peito quando homenageia os mortos que não tiveram a mesma sorte. Diz estar mais feliz por levar ao seu povo o riso orgulhoso dos vencedores.

“Desistir, não sou eu”, diria Tachlowini Gabriyesos em uma tradução muito particular, ao se tornar o primeiro atleta refugiado a seguir um padrão de qualificação Olímpica. Navegava desde os doze anos por mares bravios. Grandes distâncias e o desconhecido não eram novidades. Da Eritreia natal, passando pelo Sudão e Egito, foi na areia do deserto que treinou seus pés para a resistência antes de ser acolhido por um clube em Israel. Cumpriu os 42km da Maratona Olímpica 2020 com o tempo 2h14m02, o que lhe garantiu o décimo sexto lugar. Sem medalha, fez pose para fotos. Apontou para a camisa sem as cores de sua pátria revelando sua condição. O gesto joga luz sobre a causa de milhares que navegam, nos desertos ou no Mediterrâneo, por necessidade maior que as vidas por lá despejadas.

A olimpíada finda com uma ode à alegria. “Todos os irmãos se irmanam”? No pódio exibido antes da extinção da chama, que já não precisava mais viver, além do Queniano, dois europeus de origem africana. Migrantes. Vitoriosos navegantes. Estão de máscaras. Nada dizem, mas está escrito no brilho dos olhos que navegar é preciso porque é na jornada que a vida se faz.

Assim me despeço deste espaço de desafios, com muito a agradecer. Os feitos humanos me espantam, para o bem e para o mal. E os espantos em mim aprenderam a ganhar forma em palavras, muitas vezes indo além dos meus limites.

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