As meninas num domingo

É domingo. Sem missa nem praia, mas com céu de anil. Ops! Aqui, no inverno a alguns graus do equador, mas no verão de Paris o céu é de nuvens leves e branquinhas. Não importa, é dia de tomar um preguiçoso café em frente à TV, sentindo a brisa que vem da varanda.

São sete horas da madrugada. E a menina Raissa Leal está lá com fones de ouvido, unhas verde-amarelo e dancinhas que, diante da seriedade das rivais japonesas, parecem apontar para uma dispersão do foco a la Neymar (ui!). É o que diz a minha mesquinha intuição que eu tento apagar. Não! Ela é a nossa menina! Aí penso: que peso para uma menina, né? Todavia, independente da minha intuição e do peso da medalha de prata na Olimpíada de Tokyo 2020, ela está lá. O aqui e agora é outra história.

Alguns escorregões e a maior nota da história do skate street olímpico feminino. Lágrimas. Colo de mãe para aliviar e um quinto lugar, a depender da garra das adversárias na última bateria que, obviamente, vão pra cima com tudo. Sétimo lugar é o que estampa a TV. Dá pra terminar o café, respirar e esperar o meio-dia, sem brisa por aqui.

Quem disse? É correr para ver Larissa Pimenta, na repescagem, lutar por uma vaga para se manter viva na competição de judô. Pra quem nasceu no Piauí, ouvir em bom português-nordestino o grito da Sarah Menezes “Respira fundo!”, é uma ordem. Respiramos juntas, simplesmente. E a menina também respirou e garantiu sua vaga pra disputar o terceiro lugar.

O tempo corre. E o que se espera de uma avó num domingo?
No mínimo um almoço com a filha e as netas. Num restaurante, lógico! A avó aqui não curte muito uma “cozinha afetiva” e o trabalhão que está por trás da fofurice, que ninguém fala a respeito. Ela jura que existem outras formas de demonstrar afetividade. Assim como a filha, que junto com o genro até cozinham muito melhor que a mãe/sogra, mas hoje não. Bom, o certo é que algum tempo depois estamos na fila de espera por uma mesa de um bom restaurante, quando a neta de olho no smart phone grita: “Raissa foi muito abaixo! Ficou atrás das três japonesas”. A outra grita: “a adversária da Larissa recebeu o terceiro shido! Ganhou! É bronze!”

Sentamos. Fizemos o pedido. E um novo grito: “Raissa conseguiu reagir! 88,83! Agora é esperar a chinesa”. Um respiro. Outro grito: “Uhuhuhu, caiu!!!”. É bronze!

Ufa! A ordem agora é desligar as telas. Almoçamos felizes. Avó, filha e netas. Festejando o cair e o levantar. O não desistir. A certeza de que nada está ganho se não estivermos alertas a cada mudança de vento. Essa coisa que as mulheres parecem farejar desde cedo e vão afinando nas horas, nos dias, nos anos. Seguimos.

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