Parecia uma terça-feira qualquer. Mas no meio do dia havia as imagens da Arena Bercy em todos os canais. Depois de assistir ao espetáculo que levou a equipe de ginastas brasileiras ao bronze de ouro, eu não conseguia me desligar das notícias.
Chamou a minha atenção o uso repetido da expressão “a mais velha”, como qualificação de Jade Barbosa. Ora como o estereótipo da irmã que carrega o sentimento de responsabilidade familiar e cuida de todas as que vieram depois. Ora como deferência carinhosa das que ao iniciarem seus treinos a enxergavam como espelho. Ora como reconhecimento da líder corajosa que tudo enfrenta em nome das lideradas. Ora com a crueza simples do significado da palavra “velha”: ter mais idade. Embora no mundo fora do esporte não haja associação do uso do termo para descrever uma mulher de trinta e três anos. Pelo contrário, em pleno século XXI, são tão jovens que a maioria delas ainda está se firmando profissionalmente e decidindo se querem ser mães.
O assunto acendeu a chama da minha curiosidade. Foi dar alguns googles a mais e descobrir que existem mulheres atletas com muito mais idade nesta olimpíada. É de cinco décadas a diferença entre a menor e a maior idade. A skatista chinesa Zheng Haohao compete aos onze anos, enquanto a amazona canadense Jill Irving aos sessenta e um. Na casa dos sessenta e um, há ainda a mesa tenista Ni Xialin, representante de Luxemburgo. E pra voltar às ginastas, a rápida pesquisa também mostrou que, em uma etapa da Copa do Mundo de 2023, Oksana Chusovitina (Uzbequistão) conquistou medalha de bronze no Salto. Detalhe: tendo levado o ouro por equipe na olimpíada de 1992 e prata no Salto em 2008, aos quarenta e sete anos se consagrava como a ginasta mais longeva da história,
Antes de dormir ligo a TV outra vez, e eis que Jade estava lá de conversa com jornalistas e comentaristas. Exibia, além da valiosa medalha, a serenidade emocionada dos que estão em plena consciência da grandeza do seu feito. Não no Salto que, naquela tarde, não alcançou sua melhor performance, mas nas conquistas de toda uma vida dedicada ao esporte e à luta por investimento e melhores condições pra formação de equipes vitoriosas. Afinal é exatamente a “idade” dela que faz a ponte entre as gerações precursoras que não conseguiam sequer classificar uma equipe e a atual, cujos primeiros passos já são dados dentro de uma estrutura que permite sonhar com pódios em olimpíadas.
Durante a entrevista a tal Síndrome da irmã mais velha sutilmente permeava as falas. A rigor ela não existe, uma vez que os estudos científicos em grande escala não comprovam ligação entre a ordem de nascimento e traços de personalidade. O que se pode afirmar é que a diferença no comportamento é fruto da maturidade que chega primeiro aos que já passaram por determinadas experiências.
É aí que a palavra idade perde sentido e pode ser substituída por “experiência” sem parecer um ridículo eufemismo. É o que Jade Barbosa carrega que tem grande valor. Em muitas outras profissões, os 33 anos de idade nada dizem sobre ser um profissional treinado em todas as dificuldades do seu ofício. No esporte, sim, esse tempo curto, em relação à expectativa de vida, traz o inevitável aprendizado da derrota e da vitória, o treino frequente da resiliência e o caminho das pedras.
No caso da ginástica artística brasileira vai além do ganho individual. Os anos de Jade trazem, até aqui, o melhor exemplo de construção de uma modalidade esportiva que parecia inalcançável. E dentro dela um aparelho cheio de estilo. Desde o duplo twist carpado de Daiane dos Santos ao som de Brasileirinho, os Solos só ganharam em cores, ousadia, vibração e alegria. Que o diga o samba no pé da mais nova Júlia Soares.