Estas Olimpíadas ¬– que sinceramente acho que deviam acontecer só ano que vem – não estão ainda conseguindo atrair a atenção dos brasileiros, mais preocupados com a sobrevivência durante a crise sanitária. No entanto, mesmo levando adiante o evento em um momento impróprio, o Japão está dando um belo exemplo de modelo de sustentabilidade e de respeito para com o ambiente.
E são vários os diferenciais. As camas dos atletas foram feitas em papelão, e serão posteriormente recicladas. As 5 mil medalhas foram fabricadas inteiramente a partir do lixo eletrônico recolhido pelo Japão durante dois anos (foram 79 mil toneladas de entre câmeras, videogames, computadores e até aparelhos celulares doados pela população, incluindo as 32 toneladas de ouro e milhares de quilos de prata e cobre).
A tocha olímpica, inspirada na flor de cerejeira, foi feita a partir de alumínio reutilizado dos alojamentos temporários que abrigaram as vítimas do terremoto seguido de tsunami que atingiu a Ásia em 2011. E os pódios foram construídos com plástico recolhido do mar e das residências.
Será a olimpíada mais ecológica da história. A vila olímpica, os ginásios e até a tocha serão alimentados por energia limpa. Na linha da sustentabilidade, os 500 veículos usados para transportar os atletas e equipes, mais os ônibus que circulam por Tóquio serão abastecidos de hidrogênio, e o objetivo é alcançar 100% de energia renovável, sem poluição alguma para o meio ambiente e colaborando com a redução do aquecimento global.
Temos muito a aprender com esse povo gentil e disciplinado que acredita que as palavras têm alma. O termo “kotodama” (言 霊) significa “espírito da palavra” (koto = linguagem, palavra e dama = espírito, alma) é uma antiga crença shintô sobre o poder divino das palavras japonesas.
Todos os seres humanos são capazes de criar um mundo esplêndido, repleto de alegria e beleza a partir do uso repetitivo de palavras sagradas e de alta dimensão. Mas o passar do tempo nos brutalizou, e a maioria de nós esqueceu o propósito original e o poder das palavras. Segundo estudiosos, ao longo dos séculos, caímos no hábito de usar termos negativos, palavras escuras capazes de gerar sentimentos desagradáveis aos outros.
O espirito das palavras também se faz presente nas culturas hindu, tibetana, nepali, chinesa e diversos outros países que partilham a espiritualidade budista. Os mantras são uma expressão pura e divina da palavra que ressoa harmonicamente com o universo.
Segundo essas culturas, as palavras possuem um poder imenso, tanto para dar forças a alguém, como para ferir ou derrubar uma pessoa. As palavras podem começar uma guerra ou iniciar um processo de paz. E cá entre nós, com tanta barbaridade vindo de Brasília, estamos muito precisados de boas palavras. Que elas venham então da Terra do Sol Nascente.
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Nanete Neves
Nanete Neves é paulistana, jornalista, e escritora, com duas pós-graduações em escrita literária. Hoje vive de escrever, editar e ministrar oficinas. É autora do ebook paradidádico Transforme sua vida em livro (2020, Amazon Kindle); da novela De âmbar e trigo (Alink Editora, 2016); do livro de memórias-reportagem O Poeta e a foca (2015, agora disponível como livro digital na Amazon/Kindle), em que conta como conseguiu a primeira entrevista de Drummond para a imprensa quando ainda era novata na carreira; Batendo ponto: uma colherada de humor na hora do cafezinho, ao lado de Nelson de Oliveira e Marcelino Freire (Novo Século, 2013), de mini e microcontos, e de Lavoura dourada (Évora, 2010). Integra o Coletivo KriptoKaipora de Ficção Científica Brasileira, e participa de diversas antologias de contos no Brasil e em Portugal.
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