Rebeca Ginga de Andrade

Quem é capaz de fazer você acordar cedo por pura espontânea vontade? Acordar cedo pra ver ginástica artística? Esse esporte que não passa na TV aberta, nem em nenhum lugar durante os anos que antecedem e sucedem a olimpíada? E que cria entendedores de regras e movimentos de nomes esquisitos, como tsukahara?

Nos torna contestadores de arbitragem. O país da ginástica. Onde todo mundo entende um pouco de solo, trave e cavalo, muito mais que qualquer juiz. E nisso somos bons, xingar o juizão.

Juiz ladrão! Meteu a mão!

Acordar cedo pra torcer pelo Brasil, por Rebeca Andrade. Pelos movimentos de dança. Pela ginga. E que ginga. Nisso ainda somos insuperáveis.

E se no futebol está nos faltando aquele rebolado, oriundo da capoeira, dos terreiros, dos quintais e que está presente nos bailes. O baile de favela que Rebeca faz, traz toda essa ginga. Essa brasilidade. Na ginástica está muito presente e traz o respeito pra escola brasileira de ginga, quer dizer, escola brasileira de ginástica artística. Quem não lembra de Daiane dos Santos e Daniele Hypólito botando pra quebrar nas olímpiadas passadas, e de Flavinha Saraiva, Jade Barbosa e Júlia Soares também mostrando nosso remelexo.

É bronze pro Brasil.

Essa característica do brasileiro de sair da treta com rebolado e sagacidade é um modo de sobrevivência por aqui, onde nada nos é dado e tudo é cobrado. E nisso nos identificamos com essas atletas, com esse esporte que exige tanta força e tanta delicadeza, fazer o difícil parecer fácil, desafiar o impossível e ainda sorrir, trazer graça e beleza. Segurar o choro nas quedas.

Cada dia uma Rebeca Andrade enfrenta um dia puxado de Brasil, fazendo os desafios serem mais plásticos artisticamente. Como forma de resistir. E sorrir. Se equilibrando na trave.

Essa malícia, malemolência e estética, é pura poesia. Uma poesia nossa, fruto do nosso lugar. Capaz de vencer até as melhores do mundo, os impérios e as tradições do ocidente. Derrota toda rigidez e todo e qualquer mal agouro. Tudo que bate, volta no twist carpado. É o revide dos marginalizados. Um grito afiado e afinado. Beleza pura.

É Ouro pro Brasil. Ouro de Rebeca Andrade.

Nessas horas imagino se o Brasil S.A, esse tão truculento, burocrático e ceifador de sonhos, que se propaga o oficial, fosse sufocado por nossa beleza, por nosso povo. Rebeca faz isso por alguns minutos, 90 segundos no solo, esmagando esse país que não queremos e refundando um outro Brasil. Um não oficial, cheio de ginga, sincretizando nossas ancestralidades e nossos futuros. É um país do presente, pulsante, como um carnaval fora de época.

Rebeca nos vinga e nos alimenta. Sorte nossa.

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