Escrever: um esporte olímpico de grandes atletas

Escrever é como praticar uma modalidade olímpica, um lugar de desafio e superação, com uma mágica sensação de desbravar os limites humanos. Uma necessidade, uma brincadeira, um ganha pão, um hábito, uma religião e um universo fascinante.

Na escrita temos pedras no caminho, piscinas geladas, campos esburacados, falta de estrutura, roubo do material, má formação, descaso, violência, pecado, frustração e até uniformes feios. É uma luta, um exercício de resiliência, um milagre, cada texto produzido é uma conquista, uma medalha olímpica.

O texto, assim como o esporte, cobra muito e entrega pouco, entrega dor (nos músculos também, ai meu ciático), pode fazer buracos profundos, choro, sem vela, muito choro, raiva, desespero, e um prazer absoluto também. Uma dopamina viciante. Passar por um texto é como fazer um gol, terminar uma prova, atravessar o mar com água gelada. No fim uma pequena glória, que só dura até recomeçar o próximo texto. E, com o tempo, você fica calejado. Ainda que as dores continuem. O desafio de escrever um texto sempre aparece. E a sensação de que iremos falhar também. Essa fadiga é inevitável.

A preparação é longa, exige disciplina e precisão, tanto quanto atirar flechas no alvo ou saltar com vara. Exige treinar o mesmo movimento durante anos e fazer um desgastante esforço repetitivo (os fisioterapeutas sabem disso). E como diria o poeta “um bom poema leva anos, cinco jogando bola/ mais cinco estudando sânscrito/ seis carregando pedra/ nove namorando a vizinha/sete levando porrada/ quatro andando sozinho/ três mudando de cidade/ dez trocando de assunto/ uma eternidade, eu e você/ caminhando junto”, Paulo Leminski.

Os poetas também praticam esgrima com as palavras, têm que ser judocas com versos e atravessar uma pista de 100 metros rasos com elegância. Uma crônica está no campo dos esportes radicais como o skate, é uma coisa da rua, nasceu como uma brincadeira e exige leveza, agilidade e concentração.

Os atletas do texto estão sempre correndo atrás de uma melhor performance, uma coisa individual, não existe competição (ao menos não que seja considerável, o resto é futrica, isso tem) com os outros. Cada um tem o seu estilo, sua modalidade, seus limites e seus apoiadores.

Tem quem jogue com os melhores materiais, num nível profissional, de investimento alto (patrocínios de bancos e multinacionais), rentável, são escolhidos, nadam na piscina do privilégio, tem quem nade na piscina das vaidades também, cada um sabe seu caminho, sua raia, a vida não é justa e não existe controle de antidoping, cada um que use suas armas.

No pódio de medalhas, a escritora e o escritor estão sempre na parte de baixo da tabela das artes, são os que sustentam a base, em alguns momentos são celebrados, convidados para cerimônias de aberturas em Paris ou Frankfurt, momentos raros.

No fim do dia, tudo que um atleta escrevente precisa é praticar, afinar cada vez mais seus movimentos, dar precisão nas frases, inventar dribles com orações subordinadas ou outra figura de linguagem, estudar sempre os grandes atletas olímpicos da sua modalidade, torcer pelos companheiros e companheiras, ter consciência das suas limitações e o mais importante: Amar o esporte da escrita.

Compartilhar:

Curta nossa página no Facebook e acompanhe as crônicas mais recentes.