Atletas olímpicos: Heróis humanos da primeira semana

Frustrações, dores físicas e psicológicas, sentimentos inatos que torcedores muitas vezes esquecemos que atletas são: humanos. Na primeira semana dos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 que só puderam ser realizados um ano mais tarde com o mundo ainda sofre com a maior pandemia dos últimos tempos, ficamos, mais uma vez, cara a cara com heróis humanos na sua grande essência.
Durante a prova, durante o jogo, ignoramos histórias. Muitas vezes não sabemos nada da história pregressa e nem do caminho percorrido por atletas até que “apareçam”, para nós, e seja considerados heróis com medalha no peito.
Eu me arrepio ao saber de histórias de campeões ou de atletas que dão a vida dia após dia, semana após semana, mês após mês, anos após anos durante um ciclo olímpico de quatro anos para conseguir atingir o objetivo a qualquer custo. Para Tóquio, o ciclo foi ainda maior no calendário, algumas vezes com paradas obrigatórias de treinos num ano pandêmico, inclusive para cuidar da própria saúde contra o adversário do mundo: o coronavírus. E independente do ano, do ciclo, não são raras as histórias de atletas brasileiros que bancam sua própria passagem e a sua própria estadia para estar presente no maior evento esportivo do mundo. Há atletas que, mesmo depois de conquistar a vaga com suor e lágrimas, têm de recorrer a vaquinhas para ir à Olimpíada, como o atleta do remo que chegou às semifinais: Lucas Verthein.
O skate não usa bola, todos sabemos. No máximo, rodinhas. Mas a skatista Pâmela Rosa, campeã mundial, participou das semifinais do Street Skate com uma bola roxa no inchado tornozelo e conseguiu andar, mesmo assim, sem quase ninguém saber. Ela não se classificou para as grandes finais, mas fez bonito. Guerreira. Eu não conseguiria sair da cama ou do sofá. Um dia antes, os deuses do skate protegeram o amigo de Pâmela, Kelvin Hoefler, que disputou a prova com lesão no ombro, conquistou a prata. O primeiro herói medalhado do Brasil em Tóquio. Um dia depois, os deuses fizeram a fadinha Rayssa Leal voar bonito e levar outra prata, virou rainha e, ao chegar ao Brasil, passeou em carro de bombeiros na sua cidade, Imperatriz no Maranhão. Alegria de fada revelada em sorriso de menina e entrevista de uma adulta. Jovem heroína.
Na ginástica, começamos com a tristeza silenciosa de Arthur Nory. O medalhista de bronze na Rio 2016 chegou a ser poupado nos dois primeiros aparelhos da rotação brasileira, mas não foi bem na barra e sofreu ao finalizar o solo com uma queda que fez doer as pernas e o coração. Engoliu o choro e, mostrou que é guerreiro e ratificou ter feito o seu máximo. Ao lado, Zanetti, que caminhou ao lado da equipe, mas focado no seu aparelho que pode nos dar a terceira medalha olímpica em três edições. É assim que sentimos. Cada medalha é de todos nós. Sempre um orgulho. Zanetti mostrou força e o peso de um medalhista olímpico e se garantiu nas finais. Mas na ginástica, mais emoções, com Caio Souza e o estreante Diogo Soares que também carimbaram passaporte para as finais.
Se na ginástica masculina houve emoção, imagina o que esperava a dupla (sem equipe) Flavinha e Rebecca. Mais um tornozelo machucado e o choro sentido de Flavinha. A jovem Rebecca Andrade, atleta que se recuperou de três cirurgias de ligamento cruzado anterior no joelho e que pensou em desistir da ginástica e perder a chance de ir a Tóquio, contou com o apoio e o amor incondicional da mãe para mudar de ideia e com o apoio paterno do técnico para voar para o Japão, sonhar muito alto e se destacar na fase de classificação e carimbar passaporte para a final atrás somente da talentosíssima norte-americana Simone Biles. O destino lhe daria o primeiro tempo após a grande surpresa da olimpíada. Quanta dor superada!
Daniel Cargnin conquistou o primeiro bronze do judô brasileiro e venceu a última luta com um tufo de algodão na narina direita, mas não deixou de deixar sangue e suor em Tóquio. Herói de uma modalidade de tantos outros heróis brasileiros do passado.
Mas o judô não ficaria só na emoção daquele bronze. O Brasil todo chorou com a dor da judoca Maria Portela exposta na luta contra guerreira russa. Foi uma dor sentida, muito sentida, que trouxe à tona o tempo de preparação. Quanta dor emocional quando a arbitragem julgou que a guerreira brasileira tinha perdido a combatividade depois de um Golden score de mais de 10 minutos. A brasileira desabou num choro sentido ali mesmo no tatame, assim como todos nós revoltados com a decisão cruel. O judô não tem apelação. Árbitro decidiu, está decidido. E Maria Portela se encostou num canto de parede, em frente ao técnico, desabou pela segunda vez, talvez pensando em cada minuto do ciclo. Em entrevista, logo depois, ainda chorando muito, a heroína não culpou o árbitro, e só faltou pedir desculpas à torcida por não ter conseguido avançar. Heroína.
Outra dor de coração foi a do surfista, primeiro campeão mundial de surf e vice-campeão em 2019, Gabriel Medina que voou alto e não medalhou. Nós brasileiros, tão sedentos e carentes de notícias boas que nos devolva a saúde, não suportamos as notas dadas ao japonês na semifinal. Pareceram, aos nossos olhos leigos e torcedores, notas polêmicas como as que o brasileiro já enfrentou algumas vezes nos mundiais. Mas outra dor estava por vir… Na luta pelo bronze, o australiano tirou a medalha de nossa mão, numa outra nota polêmica seis… faltaram 20 centésimos… Um outro aéreo de Medina não sensibilizou os juízes. Fiquei esperando uma entrevista revoltada ou sentida com choro. Mas o bicampeão mundial Medina só lamentou e disse que estava amarradão, ou seja, feliz por ter feito o melhor. E guardou energia para, depois, parabenizar o outro brasileiro, Ítalo Ferreira, atual campeão mundial e o dono do primeiro ouro olímpico da histórico. Para nós torcedores, Ítalo, o garoto de Baía Formosa, no Rio Grande do Norte, vingou Medina, conquistou o lugar mais alto do pódio, e nos deu a graça de ouvir o hino brasileiro pela primeira vez em Tóquio. Com toda a alegria do ouro brilhante na terra do sol nascente, já ao sol poente beijando o mar, o campeão lembrou de toda a caminhada e chorou lembrando da avó que não está mais na Terra para curtir o momento especial e deu o seu característico mortal para sacramentar a conquista. Herói dourado.
São homens, são mulheres, são atletas… Para nós, torcedores, heróis que nos despertam, nos trazem à realidade quando apresentam emoções humanas à for da pele.
E nesta primeira semana de Jogos Olímpicos, a notícia que calou o mundo e a torcida também nasce com a dor e a coragem de Simone Biles que se expôs e respeitou sua própria dor e manifestou o comprometimento de sua saúde mental e surpreendeu a todo o mundo do esporte com a desistência de participar das finais, porém mais ainda com a coragem de ser humana e colocar a vida acima dos sonhos pessoais, profissionais e até de uma nação ou de um mundo inteiro. Heroína que mesclou fragilidade e coragem para enfrentar toda a repercussão.
Passando a madrugada, todos profissionais ligados nos Jogos, atletas, técnicos, diretores, jornalistas e torcedores trocamos a noite pelo dia, sofremos com e pelo esporte. Nenhuma emoção nossa é comparável às dos atletas. Eles e elas são meninos, meninas, homens e mulheres, todos têm corpo e alma de atleta, sangue e lágrimas de uma gente sujeita a dores para inspirar a todos que exercitar-se é saúde. O alto rendimento não é assim, muitas vezes é sinônimo de dor, dor e dor. Atletas emocionam a gente brasileira do outro lado do mundo, inspiração total para grande parte da nação que luta todos os dias e enfrenta problemas e a ainda sofre com a pandemia. Obrigado, atletas! Obrigado, heróis e heroínas! Somos todos iguais, mas a luta de vocês nos inspira a viver.

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