Anne Marcele dos Santos é dona do melhor resultado do Brasil na história do tiro com arco nos jogos olímpicos.
Anne fará sua estréia daqui a pouquinho.
Nos corredores da Vila Olímpica, onde Anne já transitou, está um outro competidor, dono de uma história bem mais antiga. O atleta mais conhecido de todos os tempos: cupido.
O fato é que ele anda com seu arco e flecha em todos os vestiários, quartos, refeitórios sem que ninguém se dê conta. A ignorância se justifica. A competição do Cupido não é com outros cupidos.
A competição é com ele mesmo. Quantos mortais conseguirá alvejar?
Na sua lista de recordes estão Akhenaton e Nefertiti, Adão e Eva, Giuseppe e Anita Garibaldi, Frida Kalo e Diego Rivera, Lampião e Maria Bonita, para citar os mais antigos, sem falar do pessoal da praia do Arpoador, do busão, de Madureira, do Bexiga, da Paulista, de João e Juca, de Marcia e Isabel, além do boi e a vaca, o galo e a galinha, o sapo e a princesa, o coelho e um monte de coelhas, enfim, você entendeu, o cupido é um atleta incansável.
Neste momento ele está no restaurante da Vila Olímpica circulando pelas mesas com lugares restritos devido a pandemia. O cupido quer se divertir um pouco.
São duas pessoas em lados opostos do salão.
Ele mira uma atleta da natação sem chance de ganhar medalha e um atleta de futebol com chances de ganhar medalha. O cupido sorri como emoji fofo e dispara a flecha para o coração de cada um.
Strike, ele pensa.
O atleta do futebol se levanta e procura o banheiro. A atleta de natação sai correndo com sua camiseta encharcada de suco de laranja procurando também o banheiro.
Ela tromba com ele , a cena clássica que conhecemos do cinema (o cupido adora assistir filmes clássicos com clichês).
A máscara dele cai, enquanto a máscara dela continua na boca.
Ela diz sorry com sotaque alemão. Ele diz sorry com sotaque brasileiro.
Os dois trocam o único vírus existente no pequeno espaço entre o ombro dela e o sorriso dele, o do amor, óbvio.
Cada qual segue seu caminho, mas é tarde demais.
Daqui a alguns minutos vão se esbarrar do lado de fora.
Ela vai morar com ele no Brasil, passarão férias na Alemanha: o cupido acaba de ver o filme à sua frente e sai.
Faz um ar de enfado.Suspira.
E se fizesse alguma coisa diferente, que contribuísse para que o mundo fosse mais harmonioso? O cupido fica matutando até um clarão invadir sua mente.
Gênio, sou gênio, o cupido brada aos ventos e voa para fora do planeta Terra ao mesmo tempo que sai alvejando todos os seres humanos que avista.
O cupido deseja que todos respeitem o planeta.
Os madeireiros venerem a Amazônia, os seres humanos tenham compaixão pelos animais, os políticos sempre sirvam ao próximo e que, e que,
muita calma nesta hora, não fui eu a empacar aqui, o cupido ficou sem munição, acabou-se a flecha, porcaria, inclusive, de final para crônica.
Ninguém foi alvejado para amar o planeta Terra de verdade, até agora.
Quem sabe amanhã.