Nem bem saio do Pingue Pongue (Tênis de Mesa), após sofrimento interminável pela semifinal do brasileiro que acabou perdendo, caio no judô.
Judô é todo complicado, não dá pra entender as regras direito, as lutas são chatas, mas competitivas e às vezes até emocionantes.
Vejo uma negra alta (1,78m) e pesada (115kg), serena, cara boa, que naquele momento pode parecer tudo, menos atleta. De quimono azul com bandeirinha do Brasil na lapela, ela entra no tatame pra lutar.
(Tatame é o mesmo que Dojô – Do significa “caminho” e Jo, “um lugar”, é o “Lugar do Caminho” ou “Lugar da Iluminação”.)
Em segundos, ela pega a adversária pelo cangote e a joga no chão: ippon! (“Ippon” é o nocaute no judô.) Não mudo de canal, fico por ali mesmo pra me recuperar do estresse do pingue pongue e pra ver quem é a surpreendente galalau bonachona.
Daqui a pouco, anunciam que ela vai voltar para sua segunda luta. Ressurge com o mesmo jeito impassível de antes. Nem parece que está disputando uma Olimpíada. Entra para o combate e ganha por decisão do VAR, que tinha dado vitória para a oponente e depois corrigiu o erro. Um susto. Ela aguarda o resultado na maior tranquilidade. Essas regras do judô…
Logo vem a terceira luta, a adversária é a atual campeã do mundo, francesa, torcida a favor – até o presidente Emmanuel Macron estava nas arquibancadas. Paro tudo que estou fazendo só pra ver a grandona. As duas se agarram, ela cai em cima da lutadora da casa e a finaliza. Deixa o local da luta caminhando lentamente, plácida, como se nada tivesse acontecido. Ela vai disputar a cobiçada medalha daqui a pouco.
Agora é a luta pelo ouro, a maior glória que qualquer atleta sonha alcançar. Estou de pé na frente da TV. Antes de entrar no tatame as adversárias ficam lado a lado aguardando serem chamadas para o combate. Ela nem aí, com cara de quem tá pensando na receita de bolo de chocolate pra comer depois da luta, espera. A rival, preocupada, visivelmente agitada, olhos arregalados, virando-os para todos os lados (mais para o mulherão com cara de paisagem ao seu lado).
A brasileira ganha, lógico.
É uma outra pessoa depois da vitória, sua vida vai mudar para sempre a partir daquele momento em cima do dojô, o “Lugar da Iluminação”. Só que ainda não caiu a ficha. Chora, ri, chora de novo, acena pra a galera, abraça a técnica, dá entrevista. O repórter coloca os familiares dela no celular ao vivo e a cores. Ela chora mais ainda, soluça: Consegui! Consegui! Amo vocês! Foi pela vó! Foi pela vó!
Corte para os comerciais.
Cinco minutos, lá está ela no lugar mais alto do pódio, agasalho da seleção brasileira, tênis novos, cabelos ajeitados, rosto lavado, hino nacional, bandeira do Brasil subindo, aquilo de sempre.
E ela cantando, chorando, sorrindo, mostrando os dentes brancos e a medalha dourada pendurada nos peitões.
Ela é Beatriz Souza, a Bia. Uma linda!
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Leonel Prata
Publicitário, jornalista, escritor e editor. Fissurado em esportes desde criança, quando colecionava a extinta Revista do Esporte e ganhava prêmios (em dinheiro) nos programas da Rádio Piratininga de Lins (SP), cidade onde nasceu, respondendo pelo telefone perguntas sobre futebol. Adulto, já em São Paulo, editou a revista Saque (voleibol), para sua própria editora, e as chamadas revistas masculinas (Homem e Privé, entre outras) para a editora Três, em que a atividade física, no caso, era outra.
Por outro lado, entre outras coisas, organizou, editou e é um dos autores das antologias de contos "Damas de Ouro & Valetes Espada - Crônicas do Baralho” e "Damas de Espada & Valetes de Ouro - Memórias Embaralhadas". Autor do romance "Embaúra" e das biografias "As Fugas e o Destino do Alemão Siegfried”, com tradução para o idioma alemão, e “Vida Complicada, Mas Tudo Bem!” Sua obra mais recente é o livro de crônicas “Sem Eira Nem Beira”.
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