De quem é a culpa?

Paris, que já me deu tantas alegrias, agora só me faz sofrer.
Me faz acordar quase de madrugada, ligar a TV e contemplar sua beleza com a Eiffel lá no fundo e as competições dos Jogos Olímpicos rolando soltas por todos os lados da Cidade Luz já desperta, com pessoas de todos os cantos do planeta na maior alegria circulando pelo cartão postal. Tomo um cafezinho pra espantar o sono e entrar no ritmo da maior festa do esporte mundial.
A Paris de hoje me faz sentir culpa logo cedo, pensamento fixo: devia estar trabalhando ao invés de ficar vendo televisão, assistindo e sofrendo com modalidades que quase nunca vejo.
Zapeio pelos canais de esporte. Paro na canoagem, no Vélodrome National de Saint-Quentin-en-Yvelinesem, onde competidores descem um rio de correntezas fortes, tendo que desviar das balizas pelo caminho, tomar cuidado para não “capotar” nem bater a cabeça nas laterais e chegar lá embaixo no menor tempo. Categoria slalom. Tem brasileiros competindo e com chances de medalhas. Perco o fôlego só de olhar aquilo.
Mudo de canal, surge o Tiro com Arco, o tradicional arco e flecha, na Esplanade des Invalides. Um jovem brasileiro aparece em close com bigodinho e cavanhaquinho ruivos bem aparados, muito sério, preparando sua flecha num arco cheio dos recursos. Concentra-se, cerra um dos olhos e dispara: na mosca, 10 pontos! É a vez do japonês do cabelo escovinha, o adversário, tão sério quanto. Japonês vai acertar na mosca, japonês não erra essas coisas. E não é que o japonês erra a primeira, acerta quase em cima do círculo da mosca, mas fora: 9 pontos. Nosso Robin Hood de bigode e cavanhaque, na maior tranquilidade do mundo, prepara-se para seu próximo disparo. Eu, na maior aflição: vai errar e esse japonês com esse sorrisinho amarelo tem cara que errou hoje pela primeira vez na vida. O brasileiro erra e o japonês acerta na mosca na segunda tentativa. Empate até agora. Robin Hood se prepara para a terceira flechada… Mudo de estação, é muito sofrimento logo cedo. (Depois, voltei pro canal do arco e flecha e vejo Robin Hood dando entrevista, todo sorridente, cara de menino, comemorando a vitória. Ufa!)
No outro canal, judô no Grand Palais Ephémère, próxima à École Militaire. Luta chata, com regras difíceis de entender, mas competitivas e com brasileiros com chances de medalhas. Não tiro os olhos daquelas lutas.
Aciono o controle remoto que não sai das minhas mãos, surge a Fadinha (Rayssa Leal), nossa skatista adolescente, deslizando toda sua graça na Place de la Concorde, precisando fazer um movimento perfeito, dificílimo, na sua última tentativa, para conquistar o bronze, porque o ouro e a prata já são das japonesas – uma de nome Coco e outra de sobrenome Akama. E consegue!
Quase meio-dia, vai começar a Bia Haddad no tênis em Rolland Garros. Essa tem só perdido ultimamente, apesar de talentosa. Desligo a TV, cheio de culpa.
Preciso trabalhar um pouco porque logo mais à tarde Paris me chama de novo. Tem mais sofrimento e penitência pela frente.
(Não sei se todo mundo sabe, cada medalha distribuída nos Jogos de Paris contém fragmento da Torre Eiffel. Tanto faz ouro, prata ou bronze. Olha isso, dirão os ganhadores aos familiares, amigos e admiradores, olha isso aqui, é uma lasquinha da Torre Eiffel, isso vale ouro!)

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