INIMIGOS DO FIM

Sou daqueles que sofrem com o fim das coisas boas da vida.
Desde criança sou assim, portador de um sentimento dito infantil que perdura aos meus dias de adulto mais ou menos assumido como tal.
Fim de férias, fim de aniversário, fim de um encontro memorável, fim de viagem, fim de um trabalho prazeroso, fim de uma vinho raro, que não sei se vou degustar mais.
O finzinho do sorvete que você não quer que acabe, o fim de um desfile da União da Ilha, quando cantei na pista “Diga espelho meu, se há na avenida alguém mais feliz que eu”, fim de qualquer acontecimento muito esperado e bem aproveitado que voou enquanto durou.
Fui aos Jogos de Londres e vivi intensamente os do Rio. E no final, claro, bateu saudade de quando começou. Uma mixórdia de melancolia, nostalgia e felicidade de ter saboreado o que se deu.
Sexta feira começa Paris 2024. Altas expectativas.
Que seja lindo como o cenário. Abertura majestosa, criativa e tocante, recordes, revelação de atletas extraordinários, confirmação de talentos existentes, emoções a cada instante, explosões de lágrimas de vencedores e perdedores – sempre me comovem os perdedores – , êxtase de torcedores, cidade em festa, nada de incidentes, acidentes, baixarias inomináveis.
Que tudo funcione, que o esplendor seja olímpico, que as pessoas se abracem, torçam com dignidade por suas bandeiras, que se encarnem os espíritos do Barão de Coubertin e de John Lennon com seu clássico “the world will be as one”.
Pura utopia. Puro sonho piegas. Puro pensar naif.
O mundo real anda avesso a esperanças, paz e decência. Mas insisto em perceber os Jogos Olímpicos como celebração de fé na Humanidade, mesmo que minha crença tolinha dure pouco.
Dia 11 de agosto é a cerimônia de encerramento. Tomara que Paris 2024 deixe saudade, como bem verteu lágrimas o genial mosaico humano do ursinho Misha ao se despedir da festa que foi Moscou 80.
Que tudo seja divino e maravilhoso, deslumbrante e inesquecível, que entre para o rol das coisas boas que o ser humano é capaz de criar e fazer, que nada de mau aconteça e que eu mantenha minha tradição de inimigo do fim.
Tomara, tomara.

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