Aproxima-se o dia da abertura dos Jogos Olímpicos de Paris.
Ao contrário de me provocar ansiedade e excitação pelo que amo olimpicamente a cada quatro anos, sinto os chamados gatilhos.
Para quem não tem adolescente em casa, explico: gatilho, como o próprio nome induz, é tudo aquilo que dispara sentimentos explosivos, ora de nostalgia, ora de saudade, ora de ilações com momentos ruins ou ótimos, que de um jeito ou de outro marcaram nossas vidas.
O disparo no caso vai direto no peito de quem viu e viveu o esplendor dos Jogos no Rio em 2016.
Quando as movimentações do acender da pira em Paris começam a dar as caras, impossível não sentir uma saudade doída do tempo em que o Brasil se exibiu ao mundo com a magnitude de uma civilização de personalidade muito própria, autônoma em organização, vigor, rara em música, dança, cultura, espontaneidade, beleza pura e alegria desmedida.
Quem não lembra de Paulinho da Viola dedilhando o Hino Nacional?
Ou da nossa garota Gisele cheia de graça pisando de um jeito que era mais que um poema, a coisa mais linda que o mundo viu passar. Naquela noite o planeta foi Ipanema, e desafio qualquer terráqueo que não tenha se sentido Tom e Vinicius deslumbrados com a vida e enfeitiçados de amor.
Ou da invasão do campo para as arquibancadas de uma juventude feliz, orgulhosa, diversa e multicolorida, afirmando que moravámos todos num país tropical, abençoado por Deus e bonito por natureza, que beleza, pena que durou pouco.
Se o oásis civilizatório brasileiro, um espasmo de nação virtuosa, gastou o tempo no tempo dos Jogos, a memória cuidou de eternizar cada instante.
Tudo saiu perfeito. As competições, a infraestrutura, a organização, a mobilidade, as emoções sublimes, tudo foi motivo de vestir o Brasil uma fantasia, que ao apagar da pira, virou trapo.
O único incidente vexatório foi protagonizado pelo medalhista norte americano de natação, que desgarrou uma noite da sua delegação, sumiu até aparecer bêbado na vila olímpica, criando quizumba, alegando que foi assaltado. Ficou com a medalha de ouro em mentira, só essa levou para casa, porque a de verdade foi justamente confiscada.
No mais, só saudade de um tempo que não volta mais.
Para onde foi aquele Brasil?
Por que nos afundamos em ódio, frustração, miséria de espírito e iniquidade?
Por que não acreditamos que fomos capazes com tanta competência de encantar os deuses do Olimpo? Se não acreditávamos antes de acontecer, por que duvidamos do que aconteceu, tal um sonho que a gente fica com vontade de dar um tapa no despertador?
Pois suspeito que despertamos para nossa realidade de caminhar com um pé calçado e o outro descalço, aos trancos e barrancos, como definiu Darcy Ribeiro.
Leio que a abertura de Paris será um desfile horizontal pelo curso do Sena. Deve ser um deslumbre, com aquele cenário pintado a bico de pena em volta.
Mas, peraí. Desfile na horizontal não lembra a exuberância de uma certa Sapucaí, onde somos imbatíveis em arte, beleza, competência e emoção?
Meus deuses, mais um gatilho.
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José Guilherme Vereza
José Guilherme Vereza é publicitário, redator, diretor de criação, professor, roterista e escritor de contos, romances, crônicas, o que as teclas mandarem. Tem diploma de Molhos de Massas e Risotos, pretensão para uso estritamente doméstico. Mora em Lisboa desde janeiro de 2022, quando ventos das letras cá sopram um prazer imenso em escrever de tudo, inventar coisas e gentes, dia sim, dia sim. Crônicas Olímpicas é um desses prazeres.
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