Qual garoto, ao dar seus primeiros passos e chutar uma bola, não sonha em se tornar um dia um jogador de futebol, encantando, com a bola nos pés, os fanáticos torcedores do seu clube ou do seu país ?
Pois comigo também aconteceu, e o sonho desmoronou logo no primeiro jogo, no campinho de terra batida lá na rua onde morava.
Apanhei da bola, e quase também dos meus companheiros de time. Tinha velocidade, mas não o domínio da bola, nem técnica, nem nada.
Em idade escolar, nas aulas de Educação Física, fui incentivado pelo professor a fazer corrida ou salto em distância. Velocista, porém franzino, era frequentemente atropelado por trás por um inconformado competidor. Isto quando não levava um nada sutil “chega pra lá” de um adversário mais encorpado e parrudo.
Desisti, assim, de competir em esportes coletivos.
Passei a correr e saltar, e confesso que até me dei bem. Minha inspiração passou a ser o grande bicampeão olímpico de salto triplo Adhemar Ferreira da Silva.
Se não pudesse me tornar um Pelé, por que não um Adhemar ? Quem sabe um dia poder, que nem ele, disputar uma Olimpíada ?
E o sonho olímpico preencheu, por algum tempo, meus devaneios de menino pobre.
Nessa fase da vida, entretanto, os sonhos e objetivos, assim como os primeiros amores, são volúveis e inconstantes. O coração e a mente saltam e flutuam daqui pra lá, de lá pra cá, ao sabor do pueril descomprometimento.
Paralelamente às práticas esportivas, a escola começou a montar uma fanfarra. O alegre barulho cadenciado da marcha, o rufar marcial das caixas de guerra me atraíram mais do que a maçante rotina dos treinos de corrida e salto. Ah, e quer coisa melhor do que desfilar nas datas festivas, com uniforme de gala e o tarol afinado e brilhando ao sol, sendo observado pela multidão, e especialmente pelas meninas ? Mas, e quanto ao sonho olímpico? Caiu por terra, junto aos tombos dolorosos da rotina de treinamento.
Troquei-o pela glória passageira !
Confesso até que não tive pudores na minha nova escolha, e nem arrependimentos. A traição não me causou angústias existencialistas, dignas de um Sartre ou Camus, cujas obras passei a apreciar desde então.
Algum tempo depois, novos compromissos, emprego, serviço militar,
e o esporte, assim como o Adhemar, ficaram pra trás, na memória e no arquivo olímpico.
Atualmente aposentado, casado, pai de dois filhos e avô de uma princesinha, gasto meu tempo vago escrevendo bobagens, lendo e ouvindo música.
A pandemia, o medo da doença, me fizeram mais recluso, como quase todo mundo. As caminhadas, as idas a pé até o centro da cidade, resquícios da minha última atividade esportiva, foram rareando.
Minhas modalidades olímpicas, atualmente, resumem-se em andar os 100 m. (com algumas barreiras pelo caminho) até a lixeira do condomínio, praticando ainda halterofilismo com os respectivos sacos de lixo, saltar as poças d’ água que a chuva deixa no piso da garagem, cutucar com vara de bambu as pipas e rabiolas engastaiadas no telhado do sobrado, boxear com os pernilongos nas noites de calor; ah, jogar tênis com a raquete elétrica de matar
mosquito, fazer ginástica artística deitando e rolando no chão com minha netinha Maria Clara (minha modalidade preferida!) ,…o golfe, que pratico com a vassoura e o rodo, empurrando a água pro buraco do ralo quando ajudo a patroa na faxina doméstica, e natação debaixo do chuveiro. Caramba, ia me esquecendo : revezamento com os cachorros passeando na rua, e esgrima com os espetos na churrasqueira. Ufa ! Enfim, um verdadeiro multiatleta olímpico !
Quanto aos Jogos Olímpicos de Tokyo, que ora se iniciam, com certeza não vou perder por nada, nem mesmo a cerimônia de abertura.
Como todo brasileiro, vou torcer, confortavelmente instalado no sofá, pelos nossos heroicos atletas. É o que me resta fazer.
Parodiando o Barão de Coubertin (e a frase nem era dele ! ) : ” o importante é não perder, mas assistir. E com dignidade,…e com porções variadas de queijo, acompanhadas de uma taça de um bom vinho…” Sei que outros preferem outros petiscos e aperitivos,mas…
E pensar que um dia cheguei a sonhar em ser o Adhemar !!!
AUTOR : JOSÉ LUIZ FINHANA
Funcionário aposentado do TJ paulista, vovô da Maria Clara, escrevinhador e pretenso poeta nas horas vagas.