Dois ouros, nas alturas.

Foi uma festa. A alegria foi tamanha que Tamberi, italiano que disputava o Salto em Altura, se jogou na pista e rolou e cambalhotou e mostrou todos os dentes numa gargalhada contagiante.

A ideia de dividir o ouro foi de Barshim, um tímido e meio sorridente atleta do Catar, nós dois merecíamos, ele disse, e como!, eu afirmo, mas já que nem tudo são louros com grandes girassóis compondo um delicado buquê montado e amarrado pelas crianças japonesas em suas escolas públicas, teve muita gente que foi contra: salvem seus dentes, meus amados e armados competidores!, as olimpíadas só fazem sentido com a lei do Talião, o tal olho por olho, a tal medalha num só peito.

Barshim é o terceiro no ranking mundial; Tamberi, oitavo. Treinam juntos, são amigos e, ambos, fizeram suas melhores marcas do ano em Tóquio quando saltaram 2,37 metros. Até então, Barshim havia saltado 2,30 metros e Tamberi, 2,35. Ouro duplo merecido. E para quem ainda ousa julgar aqueles que ousam empatar no esporte; e para quem gostaria de ter visto os dois atletas saltarem e saltarem e saltarem e saltarem cada vez mais com menos força, cada vez mais cansados, ainda mais pra baixo, o corpo todo escangalhado por tentativas após tentativas, muitas seguidas, a alma ensanguentada, só tenho uma mensagem, você não sabe nada sobre ganhar e perder.

Depois que ela soube que os atletas não ultrapassaram – por três vezes consecutivas cada um – a marca de 2,39 metros, Yelena Isinbayeva, bicampeã olímpica do Salto com Vara, parecia que desfilava perplexa pelos corredores do Comitê Olímpico Internacional, do qual faz parte, sugerindo que o sarrafo retornasse novamente para 2,35 metros e começasse tudo de novo até que um dos competidores – ambos devendo ser encarados como inimigos – fosse eliminado, pois deve-se lutar até o fim, ouviu bem, que palhaçada é essa?, e se eles não conseguem saltar pra cima, que saltem pra baixo, ah, estes atletas russos sempre na onda do vencer a qualquer preço, no maior estilo Mamonas Assassinas: “te falei que é importante competir, mas te mato de pancada se você não ganhar”.

Tamberi se levantou e pulou para cima de Barshim, o maior abraço de todos os tempos de todos os Jogos Olímpicos, tenho certeza. Primeiro, o ouro trabalhado nas alturas, depois, o pódio trabalhado na máxima do espírito esportivo que a gente que não é atleta olímpico conhece da mãe ensinar quando éramos crianças, os beijos de mesmo tom nas medalhas de mesmo sabor.

Tá, eu sei, tem gente que, no caso, gostaria de ter se esbaldado com a derrota de qualquer um deles já que esta também faz parte do esporte, e do espírito olímpico, mas, ora, vejam só, está aí o tal do Fair Play, nem dois pesos, nem duas medidas.

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