Minhas queridas olimpíadas de verão

Olimpíadas é algo que, se você não consegue acompanhar devidamente com TV e sofá, melhor desacompanhar indevidamente, ou seja, trocando o conforto da casa pela participação mambembe como atleta de férias em suas próprias competições fantasiadas. E cá estava, armada com um instintivo e emocionado furor olímpico, já em minha primeira prova individual, descendo a íngreme escadaria forjada nas falésias da costa vicentina, em plena ventania algarvia. Sim, a primeira prova trata-se de pular os degraus escorregadios de areia. Mas isso não tem nada demais, o verdadeiro desafio é continuar essa espécie de escalada às avessas, em biquíni, chapéu e sacola de praia, e não fazer um pit stop na barraca nas alturas para tomar uma caipirinha e mandar ver um franguinho ou umas sardinhas. Ainda, o segundo desafio é manter a concentração rumo aos desafios desses jogos de verão ventoso, e não se perder mentalmente na contemplação da paisagem que sobre mim invencível desaba.

A segunda prova é um jogo de vôlei de praia, no formato de trios, enfrentando adversários portugueses em conjunto com brasileiros. Rede instalada junto às falésias mortíferas recortadas em castanho escuro, a única jogadora mulher encontra certa complacência dos jogadores. Isso porque era sua primeira vez desfilando como garota de Ipanema, pois só jogara indoor, tendo abandonado as quadras escolares devido à uma lesão contundente na lombar. Ainda, ponto vai ponto vem, faz serviços indefensáveis, serve a bola perfeitamente nas mãos do levantador com manchetes precisas, mas ele prefere tocar mesmo de costas para o outro jogador de 1,80 m dar a cortada errada. Tudo bem, bola pra frente, nosso trio vence os três sets sob o sol e os olhares enviesados dos turistas e dos vendedores de bola de Berlim. Sim, os meus jogos olímpicos têm um pequeno público, sendo devidamente certificado o distanciamento social nas areias.

Em seguida, com raquetes na linha de água da praia, a vibração continua, em dupla. Na verdade, o frescobol não rende medalha (a não ser a do sol dourado no peito bronzeado). É apenas o aquecimento para se tentar entrar no Atlântico de 17°C. Conseguida a façanha mental e física de inserir depois de 1 h de tentativas, paulatinamente, vértebra a vértebra, o corpo nas águas formidáveis desse mar parado e lisinho, inicia-se de fato a prova de natação em águas gélidas. Esta não consiste em chegar primeiro a lugar algum, como costuma ocorrer em diversas provas do tipo aquático (a não ser nas ornamentais e sincronizadas), mas apenas em conseguir manter-se dentro da água sem desfalecer, nadando uma espécie de nado peito com a cabeça para fora e trincando os dentes. Quem nada borboleta ou quem mergulha recebe menção honrosa pela coragem e pelo físico adicionais.

Pra finalizar, aproveitando o aluguel de caiaques, a corrida nessa modalidade. Acompanhadas por uma série de dizeres preconceituosos sobre o Brasil ser extremamente perigoso, não se poder lá ter uma moto e nas praias haver só arrastão e assim provavelmente eu estar naquelas paragens calmas por tudo isto, as explicações do salva-vidas são básicas: segurar o remo e penetrá-lo no mar como uma colher. Começou mal, mas vamos adiante; antes de navegar talvez antigamente também se ouviam ultrajes dos reis e dos capitães. Acompanhamos os outros grupos, mas acabamos não tendo coragem de seguir além da primeira falésia, dobrando-a, rumo ao um mar mais profundo e distante, até o forte de beliche. Decepciono-me por não avistar a pequena cúpula amarelada de sua capela, e, agradecendo aos peixes grandes e aos deuses musculosos, resolvo voltar à praia apenas porque tudo ainda está bem, e para não arriscar os louros colhidos e os sapos engolidos ao longo do meu dia de olimpíadas cáusticas de verão.

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