A sustentável leveza da porrada

Na luta de terça-feira, 31/07/24, a boxeadora Beatriz Ferreira garantiu o pódio feminino na categoria até 60 kg. No mínimo, o bronze virá. O próximo capítulo será no sábado, quando ela enfrentará justamente aquela que lhe tirou o ouro nos Jogos Olímpicos de Tóquio. Revanche é sempre um bom gancho dramatúrgico. No esporte, então (sem o perdão pelo trocadilho), a porrada é maior. Para mim, o duelo entre Bia e a irlandesa Kellie Harrington equivale a Rebeca Andrade e Simone Biles na ginástica olímpica: atletas extremamente competentes, em níveis iguais de excelência, cujo qualquer desfecho será justo. Mas eu sou brasileiro, logo, torço por minhas compatriotas.

Enquanto Rebeca Andrade é um rosto mais conhecido, parece-me que Bia Ferreira logo terá campanhas publicitárias para chamar de suas (se já não teve, e eu não notei). O histórico dela impressiona: é a primeira brasileira a conquistar o Campeonato Mundial de Boxe na categoria peso-leve, ganhou ouro nos Jogos Pan-Americanos de Lima em 2019, e seu segundo lugar em 2020 permanece a maior medalha na categoria de boxe feminino em Olimpíadas. Além de sua habilidade, é uma figura carismática. A cada entrevista a energia dela transborda seja na alegria pela vitória ou na expectativa por uma, ou numa autoconfiança revigorante de quem perde a batalha, mas permanece em pé na luta (outro trocadilho). Suas dancinhas após os embates são a cereja no bolo, uma disposição de vida com gosto brasileiro no gingado. Vitórias são para serem comemoradas, e assumir não é necessariamente tripudiar sobre outra pessoa. É uma virtude de quem sabe o quão duro é alcançar o momento de erguer as mãos. Numa vitória ou derrota, trata-se de reconhecer seu valor.

Três rounds, três triunfos. A rival da brasileira pelas quartas foi a holandesa Chelsey Heijnen. Nos três embates, uma variação do mesmo quadro: enquanto Bia concentrava energia e a dispunha em socos potentes e calculados, a adversária buscou desgastá-la através de agarramento e movimentação no ringue. Se Bia fosse mais afobada, teria mordido a isca, valsado com a holandesa e gastado a carga que aplicaria em força nos golpes. A disciplina da baiana contou tanto quanto o impacto dos sopapos. Os momentos e a localização em que atacou foram certeiros. Assim que a rival, mais alta e ágil, percebeu que a tática de vencer pelo cansaço não funcionaria, tentou apenas permanecer em pé. No entanto, o resultado era evidente. O terceiro lugar, naquele dia, era brasileiro.

Além do ufanismo, possuo outros motivos por trás da expectativa pela semifinal no sábado. Bia Ferreira é baiana. Minha origem familiar veio desse estado. Logo, surge em mim uma simpatia genuína e inevitável por tudo que remete às maravilhas da Bahia. Além de esporte, fico na torcida para que Lázaro Ramos faça filmes da série “O, pai, ó” até o número 100, por exemplo. Salvador é um dos berços do país. Não à toa foi sua primeira capital. Infelizmente, a onda de violência que assola a cidade é antiga. Por isso, é necessário saber que de lá saem riquezas que repercutem até hoje. Salvador merece seu valor.

Enfim, o boxe. Sempre fui um tipo relapso. Gosto de ver futebol e basquete, não tenho ânimo para jogar. Aprecio natação, inclusive passei boa parte de minha infância e adolescência em piscinas. Mas desenvolvi uma paranoia por conta das condições da água que ainda não superei. Gosto de vôlei como recreação. Eu me encontrei em lutas. Treinei algumas, mas o boxe foi a que marcou. Quando saía das aulas, a sensação de leveza era tamanha que parecia insuperável. Melhor que terapia ou medicação. Era uma suavidade suada, real, de êxtase sem exagero. Sustentável, como uma engrenagem funcional. Quando Bia Ferreira descarrega a adrenalina restante nas danças, consigo identificar uma imagem similar a minha de quem havia atingido uma harmonia entre corpo e mente. E essa é uma luta diária para muitos de nós.

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