Apesar da biopolítica atuante em competições esportivas de grandes proporções com atletas de alto rendimento, compactuada com narrativas heroicas heteronormativas que geralmente assumem o podium do imaginário atlético, há uma quantidade bastante considerável de competidores LGBTQIA+ nas Olímpiadas de Verão de Tóquio, somando, segundo levantamento do site OutSports, pelo menos 168 pessoas, tornando os jogos de 2020 mais diversos, batendo record, sendo que, por exemplo, os de Londres e os do Rio juntos tinham 79 pessoas assumidas. Pessoas, corpos que promovem linhas de fuga. Desses corpos, o de Alana Smith, competidora norte-americana do skate street feminino, é não binário e gordo. Um corpo não binário gordo se equilibrando em estado de alto rendimento em cima de uma prancha com rodas em clima festivo, de rolê contorcionado e ziguezagueante, exibindo para o mundo seu pathos alegre, e aumentando sua força de existência e sua liberdade (imaginando que essa definição de rastro spinosista ainda seja produtiva) é um acontecimento marcante, que gera reflexões sobre o que seria um corpo atlético e feliz, ou em estado de felicidade. Também refletindo sobre o rastro dicotômico spinosista, Vladimir Safatle afirma em certa passagem do artigo “Existem realmente Paixões Tristes?” que não “há afetos que não nos contrariam, não há vida que não se deixe paralisar, que não precise se paralisar por certo tempo, que não se vista com sua própria impotência a fim de recompor sua velocidade”. Traduzindo essa lógica para o universo de competição skater, Alana Smith recompunha com um sorriso sua velocidade após cada derrocada, cada tombo, cada paralisia momentânea, mas seu corpo já são permanentes desconstituição e reconstituição, desconstituindo as marcas paradigmáticas do cistema que pressionam todos os corpos e reconstituindo um corpo que promove outras tensões: as do entrelugar, dos interstícios, da monstruosidade, do forjamento e da remontagem por meio dos artefatos tecnológicos possíveis de serem acessados. O corpo cyborg xerequeerizou nas Olimpíadas, ziguezagueando e escapando de uma dimensão para retornar à zona de origem de modo diferencial, incorporando no processo de retorno o que a trajetória implicou. O skate queer é o skate nômade, dos caminhos multidimensionais e dos movimentos mais fluidos, transformando a pista (e o corpo) em um rizoma, em um mapa aberto que, como dizem Deleuze e Guattari, pode ser concebido como obra de arte ou pode ser construído como uma ação política ou como uma meditação. Um processo inacabado. A pista do skate queer pode ter um início, uma origem (criada ou não), mas o retorno a ela sempre será diverso, diferente, como aprendizado, não como saber consolidado. Aqui já podemos superar as dualidades ou dicotomias antes esboçadas ou sugeridas, ou melhor, promover as diferenças em potencial com seus equilíbrios dinâmicos da perspectiva em ziguezague, diferenças dinâmicas que não cessam possibilidades de relação, de conexão. O skate queer é uma máquina esquizofrênica geradora de fluxos correndo e manobrando em ziguezague, velozes, de um polo a outro da pista, do corpo, do aprendizado.
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Carlos Eduardo Marcos Bonfá
Carlos Eduardo Marcos Bonfá nasceu em Socorro/SP em 1984. É professor de literatura, Leitura e Produção de Texto em EFII, EM e em faculdade do setor privado, com doutorado (e estágio de pós-doutoramento) em Estudos Literários pela UNESP. É colaborador da revista “Mallarmargens”.
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