Em minha crônica “Gentes do Mundo”, desejei que a utopia conciliadora totalizante (não totalitária) das Olimpíadas ao menos idealizasse criticamente o esboço do comum, dos comuns. É possível que o skatismo seja esse esboço ou tenha se apresentado, ao menos, como esse esboço. Um dos princípios de atuação e vivência skater é a camaradagem. Aqui a noção de camarada não tem a tonalidade político-ativista própria que a arqueologia dessa figura traz, como evidencia Jodi Dean. Todavia, posso traduzir o conceito de modo mais “leve”, bem ao modo da apresentação empática dos skaters no acirrado contexto olímpico. Segundo Christian Dunker, lendo Jodi Dean, o conceito de camarada “faz lembrar como o desejo circula nessa formação ética tão particular, capaz de reunir em si disciplina, alegria, entusiasmo e coragem”. Se o camarada da militância luta por uma condição comum reunindo múltiplas formas de vida, modos de viver e identidades, vemos a mesma reivindicação esportiva de igualdade e solidariedade nos princípios de atuação skater, como se realmente houvesse, caracterizado, um ativismo e/ou uma filosofia skater e sua práxis, disseminados, por exemplo, pelo prateado Pedro Barros. As identidades skater deslocam o individualismo ao, orientadas por um desejo comum de lúdica e prazerosa superação de si mesmas, de seus próprios desafios, de seus próprios impasses e preconceitos egoicos, atuando o seu melhor, também torcerem e incentivarem a melhor atuação dos colegas de profissão e de todos que estejam envolvidos, abertos ao meio e à filosofia skater, revelando que é possível criar alguma espécie de aliança entre a competitividade e a orientação experiencial do comum, dos comuns, de algum comum necessário para a manutenção da vida social saudável e liberta por meio de um tratamento que, sem vergonha de dizer seu nome, pode ser considerado amoroso. A solidariedade e as paixões alegres no esporte podem afetar o reflexo de uma transformação da vida, do mundo? É possível, é provável. Essa união da comunidade skater, se é propícia para o incentivo e para a disseminação da modalidade esportiva, tem de ser voluntária na busca por uma experiência comum, sem os jogos de interesse típicos do neoliberalismo, pautados pelo individualismo acumulador de Capital e gerador do campo da rivalidade tóxica travestida de competitividade justa. Veremos como o skatismo se ajustará ou resistirá às demandas do futuro se o esporte conseguir (e tem conseguido) mais visibilidade e recursos. Que ele permaneça como indutor da experiência comum é o que mais desejo, em nome dos skaters de todas as nacionalidades, dos outros esportistas e de todos nós, como exemplo de afetividade solidária possível no circuito contemporâneo dos afetos, pois o skatismo tem se apresentado como, citando novamente Dunker, um significante de resistência.
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Carlos Eduardo Marcos Bonfá
Carlos Eduardo Marcos Bonfá nasceu em Socorro/SP em 1984. É professor de literatura, Leitura e Produção de Texto em EFII, EM e em faculdade do setor privado, com doutorado (e estágio de pós-doutoramento) em Estudos Literários pela UNESP. É colaborador da revista “Mallarmargens”.
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