SIGA OS CEGOS

Lá na Bíblia, no Evangelho de São Lucas (6, 39-42) há a parábola que questiona sobre um cego guiar outro cego, pois ambos cairão no buraco; e também indaga a respeito do “cisco que está no olho do teu irmão, e não reparas na trave que está em teu próprio olho”. Já se vê (ops!) que no trecho há termos ligados ao futebol: “para bola” e “trave”.
Sim, estou forçando a barra para falar do futebol de cegos, modalidade paralímpica. Acabo de ver o empate sem gols entre Brasil e China. Aliás, 0x0 ironicamente sugere uns óculos. O melhor da partida foi uma canelada que um jogador brasileiro deu no goleiro, pois não viu a bola. Aliás, não a escutou.
Acompanhei ontem a vitória do Brasil contra os donos da casa por 3×0 (gols de Nonato) e informei-me de coisas de que nunca soube: dos cinco atletas, só o goleiro não é cego (ao contrário de muitas equipes profissionais por aí); os jogadores atuam com uma espécie de venda que contém dispositivo para ouvirem os ruídos da bola. O técnico pode informar o atleta da posição do goleiro adversário em cobrança de penalidades. Não sei se o goleiro da própria equipe pode orientar seus companheiros. Acho que não, senão iria haver confusão, poderia prejudicar a audição dos barulhos da bola.
Há uma estorinha do folclore mineiro em que a garotinha chamada Aninha está brincando diante de sua casa, quando passa um falso cego e pede para levá-lo até um certo ponto mais adiante. A menininha acata o pedido e, ao chegar no tal ponto, o cego canta: “Anda, anda Aninha, mas um bocadinho, eu sou cego, não enxergo o caminho”. E lá vai a inocente, tendo que ouvir a cantiga várias vezes até ser sequestrada. Então ela canta: “adeus minha bonequinha, adeus meu cachorrinho, adeus meu paizinho, adeus minha mãezinha”. Coisa trágica, heim? Hoje, para meus netos, conto essa estorinha, mas mudo o final, invento um cão fiel que segue a Aninha, morde o falso cego, que acaba preso.
E termino a crônica que está indo às cegas inventando uma nova versão da cantiga, agora na voz de um dos atletas do futebol: “rola, rola bolinha, faz um barulhinho, eu sou cego e faço um golzinho.”

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