FALAR DE ARTE NO DUARTE

Imaginemos um bar que é também mercearia, daquelas bem suburbanas. Ali se vende tudo e, aos sábados, TV ligada, se vê de tudo.
Pois é, em tempos de Jogos Olímpicos, lá na Mercearia do Duarte, pros lados de Venda Nova, na Grande BH, a turma está de olho na Rebeca, na Simone, na Beatriz, todos aquelas lindas moças cor de bronze que cobiçam também a prata e ouro.
Mas há os céticos de plantão. Veja ali o senhor Pedrinho, com 90 anos, que diz que os três pontos para o Galo valem mais do que qualquer medalha. E há o Xavier, bebendo conhaque, questionando a serventia da ginástica:
– Para quê isso? Perigoso, força o corpo, antinatural…
O seu Sá, que até então só mexia no celular, resolve entrar na polêmica:
– Além de esporte, é arte, é a beleza, cara!
Xavier volta a atacar:
– Rebeca é esforçadinha, mas é muita firula pra ganhar uma medalhinha. E isso de beleza é que nem essas poesias aí que você rabisca, Sá: servem pra quê? Enche um bucho? Muda o país? Ah, sai prá lá…
Seu Sá não aguenta nas tamancas. Coça a enorme barba, ajeita o chapéu vermelho com estrela cubana:
– Cara, vira a boca pra lá. Você nem mais está bêbado, já vai direto pra ressaca. A ginástica olímpica vai dar grana pra quem a pratica. E tem mesmo parecença com a poesia, olha pra você ver: o poeta tem que ter força na inspiração e na determinação; agilidade em mexer com as palavras; flexibilidade em dobrar verbos, frases, o diabo… E, claro, coordenação nas ideias para não prejudicar a mensagem; equilíbrio pra não dizer tanta besteira. Enfim, controle, só que da mente em vez do resto do corpo, como é o caso da Rebeca.
Xavier se faz de desentendido, manda o Duarte trocar de canal. E aí entra um cara que é a cara de outro Sá, o Xico, e começa a recitar um tal de Miró da Muribeca, lá do Nordeste:
— Deus, quando está de ressaca, perdoa quase todo mundo.

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