Desde os quatro a dois contra a Espanha na semifinal do futebol feminino, as mensagens não paravam de subir na tela do meu celular: “Venha, a mesa de vocês já está reservada”; “Ninguém vai trocar de lugar durante o jogo, pode vir”; “Pensa! Todos vão gostar de te ver aqui”.
Eram os pedidos de seu João, parceiro de longa data.
Há tempos, eu havia deixado de assistir aos jogos do Brasil na padaria. A tradição de ver jogos de Futebol na padaria de seu João havia começado com a Copa do Mundo de 1986. Passou pelo tetra do Romário e penta do Ronaldo. Vi o primeiro ouro com o vôlei masculino em 1992, Guga em Roland Garros e até as vitórias do Senna na padaria. Se tinha um jogo do Brasil ou brasileiro, lá estava eu ao lado de seu João.
Depois daqueles sete a um em 2014, jurei que jamais assistiria novamente ao Brasil na padaria. A culpa não era de seu João, muito menos da padaria. Era minha. Camilla, Pedroca (na barriga) e eu não fomos ao Mineirão naquele fatídico dia, por isso o Brasil tinha sofrido sua maior goleada. Com este pensamento, o futebol masculino somente foi Ouro Olímpico na Rio-2016 conosco naquelas arquibancadas míticas do Maracanã.
Eu me sentia muito mal com as mensagens que ignorava. A insistência se tornou mais implacável, quando a maior Seleção de Vôlei feminino em Paris-2024 perdeu nas semifinais: “Os jogos serão no mesmo horário”; “Vou colocar mais uma televisão aqui na padaria, venha torcer pelas nossas meninas”; “Vamos ser ouro com a Marta e bronze com a Gabi”. “Traga o Pedroca, ele merece sentir o que você já sentiu aqui conosco”.
Acordei neste sábado ansioso. Lembrei muito daqueles sentimentos de 2012, horas antes do Corinthians ser bicampeão mundial. Queria muito estar em Paris. Queria ser dois para estar no estádio e no ginásio. Queria ter o poder de escrever o futuro dos outros por linhas tortas; ter o dom de convencer Alguém a deixar o ouro com o futebol e o bronze com o vôlei.
No aplicativo de músicas, “Anunciação” deixava alguns sinais. Marta tinha sido expulsa durante a competição: era um sinal. Ser o último jogo olímpico da Marta e Thaisa no vôlei: sinais. Arthur Elias: ex-treinador no Corinthians: mais um sinal. Eram muitos os sinais.
Minutos antes do meio dia, chegamos sob cumprimentos de muitos que eu conhecia desde criança. Nossa mesa estava lá. A bateria da escola de samba do bairro também. O rapaz de amarelo e a menina de vermelho estavam ao nosso lado com os anéis de noivado reluzentes em suas mãos. Até o chato do busão, aquele que odiava futebol feminino, estava lá.
A padaria estava lotada e, como prometido, duas televisões. Eram os Brasis diante da torcida de todos os brasileiros. Seu João havia conseguido reunir o bairro inteiro para torcer pelo Brasil. Com suas camisas amarelas, azuis, verdes ou vermelhas, da CBF ou não, todos ali, torcendo pelas meninas do Brasil e pelas medalhas nas Olimpíadas das Mulheres.
O jogo das meninas do Futebol começava coisa de 15 minutos antes. Quando o vôlei começou, a juíza já tinha anulado um gol da Ludmilla e o VAR, roubado um pênalti a nosso favor.
De longe, eu via Mariazinha falando com seu João, que só balançava a cabeça. Como a padaria estava lotada, só tinha tido a oportunidade de cumprimentá-lo de longe, mas seu sorriso demonstrara sua felicidade de estarmos por lá.
As narrações dos jogos se confundiam com a vibração da padaria. Misturavam-se com os gritos de “Brasil!! Brasil!!” que vez em sempre vinham acompanhados da bateria da escola de samba do bairro.
Eram emoções.
A goleira dos Estados Unidos parava nosso futebol; nosso vôlei ia ganhando das turcas. Gabi Portilho lançava; Gabi cravava.
Duas telas, maior confusão. Um segundo de silêncio, gol dos Estados Unidos. “Chama o VAR”, gritou Pedroca, mas a juíza validou o gol. Ouvimos um apito… era o comando para a bateria da escola de samba do bairro voltar a tocar.
Jogo dramático no futebol; jogo difícil no vôlei. Marta, a maior de todas, já estava lá, correndo na sua última dança; Zé Roberto, o maior treinador brasileiro, dava bronca na Thaísa.
Na porta da padaria, um pequeno entreveiro. Eram Mariazinha e Pedroca brigando com o chato do busão que andava reclamando das brasileiras há alguns dias.
Eu estava apreensivo, ora de pé, quase nunca sentado, e a goleira americana novamente evitava nosso gol nos acréscimos. Olhava para outra TV e a Rosamaria gritava na cara da turca.
Veio o primeiro apito final. Éramos prata no futebol feminino.
Veio o ponto final da Thaísa. Éramos bronze no vôlei feminino.
Um misto de sentimentos, que aos poucos se tornou apenas um. Sentimento do dever cumprido. Sentimento de alegria. Sentimento de felicidade. As Mulheres brasileiras haviam vencido os Jogos Olímpicos de Paris-2024.
Veio o segundo apito. Era minha amiga Tali dando o comando para a bateria da escola de samba do bairro voltar a tocar pela fria tarde de sábado.
A bateria tocou sem parar e deve estar comemorando até agora. O bairro inteiro estava feliz. Todos os brasileiros estavam alegres com as conquistas das nossas meninas, inclusive eu.
Veio o ponto final do Curry no basquete masculino horas depois e a gente ainda estava na padaria de seu João. Provavelmente, ainda estamos por lá. Apenas comemorando com os nossos sinais.