Antigamente, os estúdios do canal de televisão ficavam pelas redondezas. Eram tempos diferentes nos quais as crianças corriam soltas pelas ruas, os jovens se entreolhavam pela praça e os adultos compravam no mercadinho do bairro.
Eu passava sorrateiramente na porta da emissora, torcendo para encontrar um artista, mas só escutava a voz de um senhor sorridente de terno e microfone no peito. Todo domingo, diversas caravanas chegavam cedo e tomavam um café na padaria de seu João.
Casais do bairro se enamoraram naqueles estúdios; torcermos pelo cantor famoso da vizinhança diante dos jurados e arriscamos qual era a música no toque do piano. Todo domingo, as mesmas cerimônias.
Arnaldo era um promissor atleta olímpico. Numa destas noites, foi atropelado por alguém embriagado que fugiu pelas alamedas do bairro. Restou-lhe a vida, mas havia perdido as pernas. Por muito tempo, arrastou-se deprimido pela padaria de seu João.
Um dia, com muita esperança, escrevi uma carta e levei aos estúdios do canal de televisão. Entreguei para um jovem rapaz de cabelos loiros que chegava para trabalhar naquele momento.
Todo domingo eu assistia àquelas portas se abrindo, sonhando que o meu pedido se realizasse. Todo domingo eu chorava quando não havia nada por trás da porta da esperança.
Todo domingo eu assistia àquelas portas se abrindo, mas o tempo passava. Todo domingo eu esperava o meu pedido ser atendido.
Algumas semanas depois, uma correria de pessoas se anunciou. O bairro inteiro estava sendo convidado para ir ao programa naquele domingo. Alguém havia escrito uma carta e precisavam achar o Arnaldo.
Arnaldo era muito querido por todos naquelas bandas, mas a saúde mental já há muito estava comprometida. Às vezes, estava presente, quase sempre sumido.
Neste domingo, ele estava sumido. Fomos encontrá-lo no alto das arquibancadas do centro esportivo com um olhar distante. Talvez, tenhamos chegado no momento certo.
Pela TV, escutei aquele senhor sorridente ler a minha carta. Eu tinha pedido novas pernas para Arnaldo. Eu tinha pedido que ele voltasse a correr pelas ruas do bairro. Eu tinha pedido que ele voltasse a sorrir.
Pela TV, eu vi metade do bairro no palco; a outra metade, na plateia; vi Arnaldo ao lado do Silvio; vi o Silvio ao lado de seu João que só balançava a cabeça.
– Vamos abrir as portas da esperança!!
(…)
(…)
(…)
(…)
Parecia uma eternidade.
O chão do bairro tremeu. Silvio gesticulou e seu João balançou a cabeça. Arnaldo voltou a sorrir. Eu, ainda sem entender nada, chorei.
Os anos se passaram; vimos novamente o Arnaldo na TV. Ele estava no alto do pódio com a bandeira do Brasil nos ombros. Tocou o Hino Nacional.
Hoje, a sua medalha das Paralímpíadas está exposta na padaria de seu João.
Vira e mexe, encontramos Arnaldo lá nas arquibancadas do centro esportivo. Às vezes, o olhar está distante, mas sempre o vemos com muita felicidade no rosto.