Era domingo. Na TV, passava a disputa da medalha de bronze no Tênis de Mesa entre o nosso Hugo Calderano e a joia francesa.
O Brasil havia parado com a Rayssa e com a Rebeca durante a semana. A padaria estava cheia e se ouvia um grito uníssono: Brasil!! Brasil!! Brasil!!
Parecia Copa do Mundo. Aliás, não parecia Copa do Mundo, eram simplesmente os brasileiros torcendo nos Jogos Olímpicos, pois Copa do Mundo, bem Copa do Mundo, deixa para lá…
Cena 01
Enquanto isso, Mariazinha aguardava na fila para pedir seu sonho. Durante a semana, diversas medalhas nos Jogos Olímpicos, mas ela estava empolgada com o Judô. No dia anterior, mais uma medalha, agora por equipes. Desde cedo, Mariazinha estava na frente da TV, torcendo pelo nosso time, em especial pela Rafaela Silva, junto do pai. Seu pai, judoca até a adolescência, sempre contava a história do ouro olímpico da Rafa na Rio-2016, único evento que tinha conseguido assistir naquele ano, realizando o sonho de participar dos Jogos Olímpicos.
Mariazinha não se lembrava, mas a família só tinha dinheiro para um ingresso e as passagens de ônibus para uma pessoa. Seu pai não conhecia direito o Rio de Janeiro, mas tinha um primo na Cidade de Deus. Foi ele quem o acompanhou até as Arenas da Barra da Tijuca; lá ficou esperando na estação do Metrô; e ao final, acompanhou o pai de Mariazinha até a rodoviária.
Ela nunca tinha visto seu pai tão apreensivo. Na disputa pelo bronze, quando o duelo estava empatado e a roda da sorte escolheria quem seria o lutador a definir o combate, escutava a voz baixa do seu pai:
– Tem que ser a Rafa… tem que ser a Rafa… vai ser a Rafa… é a Rafa!!! – seu pai pulou de alegria para não mais sentar por algumas horas.
Mariazinha não entendeu direito, se tinha sido seu pai, se tinham sido os brasileiros ou mesmo se tinha sido a cidade de Deus, que escolherem a Rafa, mas compreendeu que precisava ser ela. Tinha que ser por conta de tudo que ela sofreu nos Esportes e na Vida. Preconceitos, perseguições, dificuldades. Por ser mulher preta como ela. Quis o destino que fosse a Rafa Silva a nos trazer a medalha.
Cena 02
Na padaria, de longe, Mariazinha viu seu João conversando com o rapaz de amarelo, aquele que namorava com a moça de vermelho. Ele aparentava estar triste, enquanto seu João apenas balançava a cabeça.
Na sua frente, duas senhoras conversavam sobre Paris ser a cidade das Luzes e o romantismo que imperava por lá. Parece que tinham sido alguns pedidos de casamento, reconciliações, beijos pelas arquibancadas e até descobriu que Hugo Calderano e Bruna Takahashi eram um casal.
Sorridente e simpática, sempre meio intrometida para seus tenros 10 anos, olhava ao redor e ouvia as conversas dos outros. Foi deste jeito que se aproximou de seu João, já sozinho, enquanto o rapaz de amarelo se encaminhava para a longa fila do caixa.
“O que teria acontecido?”, pensava Mariazinha, mirando seu olhar curioso para seu João.
– Olha, Mariazinha, tá vendo aquele rapaz de amarelo? Ele tá sofrendo. Brigou com a namorada…
– Por que eles brigaram, seu João?
– Eu sempre imaginei que eles fossem brigar por Política. São super engajados, cada um com sua forma de pensar, discutiam aqui neste balcão, mas sempre saiam de mãos dadas. Jamais imaginei que eles brigariam pelas Olimpíadas.
“Como assim brigar pelas Olimpíadas?”, “Quem pode brigar pelas Olimpíadas?”, pensava Mariazinha, totalmente indignada com o “eles brigaram pelas Olimpíadas”.
– Sabe, teve um caso com umas boxeadoras, nem eu entendi direito, rolou um monte de “fake news”, mas isso é assunto dos adultos…
Mariazinha sequer deixou seu João terminar a frase:
– Como assim coisa de adultos, seu João? Eu sei o que está ocorrendo, toda esta discussão de identidade de gênero, de transfobia, dos ataques racistas e de toda a polêmica entre as mulheres do boxe. Eu fui pesquisar, seu João, claro, pesquisei em sites confiáveis como eu aprendi lá na Escola…
Desta vez, foi seu João quem parou para refletir. A geração da Mariazinha, certamente, entendia melhor estas curvas da Humanidade do que a dele. Os assuntos são tratados com a maior naturalidade e, principalmente, sem preconceitos.
Cena 03
De repente, um silencio se anunciou na padaria. Os gritos de “Brasil!!” pararam e uma música tocou. Era uma daquelas do Jota Quest.
Na entrada da padaria, estava a menina de vermelho. Falou; pediu desculpas. O rapaz de amarelo disse que era ele quem devia desculpas. Falou sem parar como se discursasse para uma multidão nas Diretas Já.
Ela tinha uma aliança e houve um pedido de casamento tal qual lá em Paris. Ele simplesmente disse sim.
Todos choraram de emoção. Era o Amor que novamente reinava na padaria de seu João.
Mesmo ainda sem saber direito qual era aquele sentimento que unia a menina de vermelho e o rapaz de amarelo, Mariazinha também chorou. Quis intrometer, mas entendeu que aquele momento era apenas do casal.