Afinal, quem é seu João?

Seu João sempre foi muito querido no bairro.

Era amado pelas crianças. Aconselhava os adolescentes recém entrados na puberdade sobre o certo e aquele errado (?!) que todos queriam fazer. Intermediava a solução das crises entre jovens casais de namorados, casados ou não. Seu João viu a vizinhança crescer.

Era amigo de todos.

Só não se envolvia com Política, embora tenha sido convidado diversas vezes a se candidatar. Dizem até que o Tancredo tomou café naquele balcão, tentando convencê-lo a ser vice na sua chapa numa eventual eleição direta após a ditadura militar. Recusou este e inúmeros convites tanto para si como aqueles para apoiar alguém, seja de Esquerda, Centro ou Direita.

Seu João sabia que poderia fazer algo não sendo político, mas também jamais aceitaria calado tantos desmandos, corrupção e desvio de dinheiro que ocorrem nos corredores do Poder.

Quando éramos pequenos, imaginávamos quem seu João teria sido antes de assumir a padaria do bairro. Dentre as melhores histórias, eu gostava de repetir que ele era alemão. Como era próximo às lideranças nazistas, teria feito diversas listas, salvando famílias de judeus do Holocausto. Mais do que isso, teria participado de uma frustrada tentativa de derrubar Hitler, quando teve que fugir para o Brasil.

Claro que, pela idade, jamais seu João poderia estar naquela Guerra, mas ganhávamos horas de diversão, pensando quais aventuras teria ele vivenciado.

Com certeza, amigo leitor, você também tem um seu João nas suas memórias mais pueris.

O fato é que o meu-seu João, nasceu, cresceu e estudou no bairro. Casou com dona Ana Maria. Era filho único e assumiu aquele balcão sozinho, quando os pais já não mais podiam trabalhar. A filha mora fora do país, mas de vez em sempre a vemos por aqui, pois ela estudou conosco na escola ali na esquina. As suas meninas me chamam de tio e correm com Pedroca pela praça como se não houvesse amanhã.

Quis contar esta história (fictícia ou não, caberá a você, caro leitor, tal decisão), porque estava aqui, na mesa da padaria com Camilla e Pedroca, após nossa caminhada dominical, olhando para Seu João e Mariazinha.

Como sempre, desde sempre, desde lá a primeira crônica olímpica, quando Mariazinha surgiu “sorridente e simpática, meio intrometida para seus tenros 10 anos”, ela falava em demasia e seu João apenas balançava a cabeça.

Certamente, podiam estar falando daquele jogo de futebol americano que teve lá na Arena Corinthians.

Bem, acho que não.

Melhor seria estarem falando da nossa arrebatadora campanha Paralímpica. Recorde de medalhas nos Jogos; 89 medalhas, 25 ouros, 26 pratas e 38 bronzes. Meta cumprida e superada. Estar entre as cinco maiores potências paralímpicas. Meta cumprida e quase ficamos em quarto lugar. Nossos maiores Jogos e vamos dobrar a meta lá em L.A. – 2028.

Acho que sim.

Estavam falando dos Jogos Paralímpicos de Paris-2024.

Embora seu João, como sempre, apenas balançasse a cabeça, eles conversavam de forma animada. De longe, eu via a gesticulação e a representação das letras, palavras e ideias de cada um deles.

Nós três, admirados, tentávamos decifrar a dança e a expressividade daquela troca de sinais. Na linguagem de Libras, ali estava a conexão que os unia desde a primeira crônica.

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