TOUCHÉ OLIMPIQUÊ

Era uma sala grande, com várias faixas compridas no chão. Bem compridas. Eu era pequena, então pareciam ainda maiores. Lá no fundo o professor, vestido com um macacão que poderia ser de um bebê de três meses, mas com seus cabelos brancos e desalinhados contrastando. Não se chamava nem Porthos, nem Athos, nem Aramis, mas Silas. E eu ali bisbilhotando onde estariam as espadas e os chapéus de plumas, talvez uma capa vermelha. Nada. Nas primeiras aulas só o que pegávamos na mão era um cano fino de alumínio com uma borrachinha na ponta. Para a gente não se machucar com a nossa própria inexperiência. O treinamento inicial consistia em ir de cabo a rabo daquela faixa de linóleo enorme fazendo pliês. Um passo de caranguejo, meio de ladinho, e um pliê. Outro passo e outro pliê. Eu já odiava esse movimento no balé, imagina ali, armada com um caninho de alumínio. D’Artagnan que me perdoe, mas aquilo não tinha cabimento. A melhor parte era assistir as práticas dos atletas profissionais, que começavam a invadir o espaço depois da nossa aula. Uma gente elegante, alta, altiva. Vários adultos com macacõezinhos de bebê brancos e um ovo com mosquiteiro na cabeça se juntavam ao professor, como uma turma de proto-teletubies classudos. O curioso é que tinham também um fio grudado na base da coluna que se esticava até o fim da sala e se ligava a um equipamento. Era como se cada um dos duelantes estivesse ligado na tomada. Comparado aos esportes convencionais que usavam aquela prosaica…bola, digamos que aquele ambiente dava bastante pano para minha imaginação. Mas eu estava mais para a teletubie orginal, gordinha, olhos arregalados, sem qualquer classe, e durei bem pouco na aula de esgrima. Nem cheguei perto de um florete. Mas hoje, como ficcionista, claro que o assunto me interessa. Por exemplo, faz um ano e pouco, me chamou atenção a matéria da brasileira que ganhou uma medalha histórica para o país (mesmo sendo italiana e treinando na França, ela tem cidadania brasileira). Nem preciso dizer que a mulher é elegantésima, a Nathalie Moellhausen. Ela entra na competição amanhã, em Tóquio, e estou na torcida. Vou até ver se arrumo um caninho de alumínio aqui em casa pra dar sorte. Gostaria de escrever uma história bem louca de uma mosqueteira, será que já tem? Gostaria de vê-la no pódio também. Outra coisa que me fascina são as situações de duelo de filmes antigos. Sempre fico fazendo correspondências com os dias de hoje. Como seria a pessoa tomar o café da manhã, dar um beijo no companheiro ou companheira, ir para a reunião na empresa e, no fim da tarde, numa colina com o sol baixo e algumas testemunhas, talvez levar uma espadada no peito e morrer? Coisa mais sinistra esse rito blasé dos nobres. Às vezes, nessas cenas que construo na colina coloco a cara do professor Silas, coitado. Dizem que, no imaginário infantil, as coisas se criam, se transformam, viram traumas ou libertações, mas ficam sempre lá. Então é mais forte do que eu: no meio de minhas sinapses remotas, surgem curiosidades, imagens, associações, interesses. Está lá, no meu dicionário temático o capítulo “Esgrima”. Foi breve e até divertido, não serviu para muita coisa, nem para melhorar meu pliê, mas vai me fazer torcer pela nossa espadachim tupiniquim. Pensando bem, tem outro aprendizado nessa história. Que eu não tenha mais de duelar nesta minha vida, mas se tiver, que seja desse jeito: classudo e com um fio na base da coluna pra me puxar em caso de emergência.

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