Sabichão: conhece todas as regras, de todos os esportes, e o olhar, apurado, é de juiz. Costuma ser chato, por isso os amigos o mantêm bêbado.
De ocasião: nunca se liga em esporte. No domingo, quando estão todos vendo futebol ou basquete ou vôlei, se entretém com memes na internet, com telefonemas para velhos amigos, com umas nostalgias que até doem. Mas nas Olimpíadas, vê de ginástica artística a golfe, que, aliás, acha tão bonito, embora não saiba quem é quem e qual equipe ganhou afinal.
Desinteressado: passa diante da TV e pergunta: como estamos? Nem sempre o Brasil está disputando alguma coisa. O parceiro ou parceira, numa oportunidade dessa, responde: estamos mal, meu bem. A crise matrimonial está prestes a subir no pódio.
Raivoso: o estoque de palavrões sofre uma baixa considerável durante os jogos olímpicos. Dizem que é um evento de congratulação da paz, mas a gente sabe que não é bem assim. Já o raivoso nem se preocupa com isso. Se o Brasil está em campo, em quadra, na piscina, no rio, no mar, nas pistas, os outros são inimigos. É claro que não vai atirar em ninguém, mas os perdigotos de sua boca suja são capazes de destruir as nações adversárias, mesmo aquelas armadas até os dentes.
Encantado: ao contrário do raivoso, tudo é motivo de encanto. Quando descobre as menores delegações nos jogos, exclama: “Ora, não sabia que em Liechtenstein praticavam ciclismo de montanha”. Verdade que não sabe onde fica Liechtenstein, tampouco o que é ciclismo de montanha. O importante, todavia, é o encanto, tão raro nos dias de hoje.
Comilão: se no dia a dia não lhe dão sossego, implicam com seu único prazer nessa vida, o de comer, durante as Olimpíadas – e a Copa do Mundo – é deixado em paz. Abastece o estoque de batatinhas, azeitonas, pururucas, salaminhos, castanhas de caju e amendoins e se esbalda diante da TV. Se lhe perguntam a quantas andam as coisas, responde: “a batatinha está acabando, é o último saco, assim que terminar o vôlei, corro ao mercado”. E o vôlei? “Foi o responsável pela baixa nas batatinhas.”
Beberrão: bebe, bebe, bebe… dorme na hora das disputas.
Nostálgico: o pensamento volta ao ponto: bom mesmo era quando a cerimônia de abertura das Olimpíadas era comandada por Zeus.
Tecnológico: fã do VAR, advoga que a inteligência artificial vai botar para correr essa corriola que, inapta para os esportes, vira juiz. Não é seu caso. Nunca bateu bola, deu salto de distância, correu cem ou duzentos metros, nem deu mais que três braçadas em piscina rasa, no entanto, não optou pelo caminho do carrasco. Prefere achar que tudo é um erro, que o futuro eletrônico corrigirá todas as mazelas humanas, no esporte ou não.
Conversador: não nasceu para o silêncio, nem diante de um pênalti, do último segundo de um round, dos últimos cinquenta metros de piscina. Fala, fala, fala. Sobre o quê? Sobre nada. Fala, fala, fala.
Silencioso: alguns morrem depois de um infarto.
Crítico: os uniformes são feios, a música escolhida pela ginasta é inadequada, a estratégia adotada é suicida, a forma com que segura o remo é errada. O sofá é desconfortável, a cerveja não está muito gelada, o vizinho do andar de cima pula demais, o país é ingovernável…
Sexista: todos e todas e todes fariam melhor se frequentassem a sua cama.
Narrador: os amigos aumentam o som da TV, mas não conseguem impedir que o amigo continue a dizer que a bola foi lançada, que o dardo foi atirado, que o golpe foi abortado, que a braçada foi curta, que o skate foi mal colocado no corrimão. Aumentam mais o som, a voz do amigo também vai a um tom mais alto. Saem todos surdos, e sem saber se o Brasil ganhou ou não ganhou a maldita medalha.
Político: tudo é a geopolítica, somos otários de ficar assistindo a esse teatro. Sabe a hora de cada disputa e todos os seus resultados. Conhece o quadro de medalha como alguns poetas conhecem os sonetos de Camões.
Apolítico: o esporte é o momento máximo da paz entre as nações, assim mesmo sonha em matar um palestino ou um ucraniano ou um judeu ou um espanhol. Não vai com a cara dessa gente.
Emotivo: chora quando o time não se classifica, chora quando se classifica. Chora na abertura das Olimpíadas, chora no encerramento. Chora porque taxam os atletas, chora porque os isentam. Chora se o juiz erra, chora se acerta. Chora se sai o gol, chora se não sai. Chora na conquista de medalhas, chora na derrota. Chora porque é segunda-feira, chora porque é sábado. Chora de saudades da mãe, chora de raiva da irmã. Chora por ter chorado, chora porque vai chorar.
Cronista: em vez de prestar atenção no jogo, na luta, na cortada no tênis de mesa ou no vôlei, na enterrada no basquete, no salto do cavalo, na coreografia no ginásio, na aceleração do fundista, no mergulho da nadadora, na pedalada do ciclista, fica pensando em que texto vai escrever. Nunca sabe nada do que está acontecendo, por isso inventa muito.