Talvez não seja o momento, talvez nunca seja o momento.
Mas na avalanche de adrenalina, orgulho da mulherada brasileira, nó na garganta com a solidariedade reverencial de Simone e Jordan diante da Rebeca, o pranto contagiante de Bia Souza, o sorriso de Rayssa, enfim, na fervura de tantas emoções, um questionamento impertinente me buzina.
O que define um esporte olímpico?
Preguiçoso de pensar, ouço vozes do Tio Google.
“A cada intervalo entre os jogos, o COI dá a oportunidade ao Comitê Organizador de sugerir modalidades que sejam populares no país-sede e que possam atrair o interesse dos jovens para o movimento olímpico.”
Todo sentido.
Os deuses do Olimpo são sábios, zelosos pelo que é solene e pelas tradições. Mas não são bobos.
Sabem que o mundo gira, a Lusitana roda, o tempo não para, muito menos o jeito das coisas, pessoas e costumes. Não fosse a consciência de enxergar que um rio não passa duas vezes pelo mesmo lugar, estaríamos ainda torcendo apenas por bigas e quadrigas, luta greco-romana, lançamento de disco e dardo, péntathlon e corrida de homens. E só.
Jogos Olímpicos sem renovação seria como convidar os jovens para um chá na Colombo. Daí o surf e o skate ícones da galera e da adaptação aos novos e velozes tempos.
Claro que radicalismos não são bem-vindos pelos deuses. Tirem o cavalinho da chuva defensores de damas e xadrez, burro em pé e carteados em geral, queimado, pique esconde e arremesso de caroço de melancia. Mas quem sabe, um futsal ou um futevôlei podem ter a sua vez?
A questão do que é ou não é olímpico – com todo respeito aos princípios dos decisores do COI – , me ocorreu quando vi o Gabriel Medina ser derrotado pelo mar.
Penso eu, um leigo, um torcedor derretido, um mero apreciador encantado pela excelência, que um esporte olímpico contempla o atleta e que só suas condições físicas, técnicas e mentais devem estar em jogo.
A discussão dá onda. Tsunami, talvez. Pororoca, na certa.
No surf, a pessoa depende do mar e seu desafio é perceber quando o mar está a fim de brincar ou não. Pode-se até considerar que a vela depende dos humores dos ventos, mas o vento numa regata venta democraticamente para todos. Ganha quem souber aproveitar melhor o que a natureza manda.
Mas quando a onda não quer, não basta ser Medina.
Isso me lembra a velha história de Garrincha com os russos. Antes de entrar no mar, o surfista olímpico deveria combinar com as ondas.
Apenas um pitaco para um chá no Olimpo.
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José Guilherme Vereza
José Guilherme Vereza é publicitário, redator, diretor de criação, professor, roterista e escritor de contos, romances, crônicas, o que as teclas mandarem. Tem diploma de Molhos de Massas e Risotos, pretensão para uso estritamente doméstico. Mora em Lisboa desde janeiro de 2022, quando ventos das letras cá sopram um prazer imenso em escrever de tudo, inventar coisas e gentes, dia sim, dia sim. Crônicas Olímpicas é um desses prazeres.
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