Celine Dion, o cavalo de prata cortando o Sena, as meninas brasileiras da ginástica, Rebeca, Rayssa, Caio Bonfim, o voo do Medina.
Os Jogos de Paris até agora já produziram emoções suficientes para não me desgrudar do sofá. O céu azul das tardes do verão de Lisboa perdeu meus olhares para televisão.
No entanto, um detalhe de emoção pelo avesso me escapou da tela.
Li que uma ferida detectada num cavalo brasileiro desclassificou a equipe inteira das provas de hipismo, que tinha chances de medalha, mas pelo menos, alguns cavaleiros seguem nas competições individuais. Já recorreram da sentença, na alegação de que foi apenas uma assadura causada por atrito da sela com o couro do animal.
Não entro no mérito da questão, que se julgue o caso à luz da lei.
O que me futuca com espora e rebenque é o crescente debate sobre a utilização de animais em eventos humanos. Chato.
Hipismo nos Jogos não se compara a touradas, circos, rinhas, corridas de cachorro, ou mesmo a exploração turística de cavalos de charretes chinfrins. Pelo contrário. Os cavalos olímpicos recebem cuidados que a maioria dos seres humanos no planeta não tem. O que pode até ser injusto no ponto de vista estritamente social humanitário, mas tal discussão pertence à outra modalidade.
Como creio que bicho tem sentimento, aposto que o conjunto, cavaleiro e cavalo, nutre um amor de mão e contramão.
Nos Jogos de Tokio, um cavaleiro brasileiro abandonou a pista ao perceber que sua égua não estava feliz, pois claudicava no trote. Belo gesto.
As boas relações do ser humano com o cavalo datam do tempo das cavernas. Foi o primeiro meio de transporte nos caminhos da evolução da Humanidade e quando inventaram a roda, aí então, um passo imenso para o automóvel, tanto que a medida de potência de um motor é representada pela quantidade de cavalos que estariam sendo utilizados como energia.
No livro Latim em Pó, de Caetano Galindo, um delicioso passeio pela formação da Língua Portuguesa e pela História dos idiomas, há um capítulo dedicado ao cavalo, sem o qual os povos não se deslocariam e, portanto, não haveria a expansão planetária dos milhões de jeitos de falar e escrever.
Tá certo, foram os cavalos covardemente – e a muito contragosto – utilizados em guerras, mas é inocente não conceber a História sem um herói ou vilão em cima de uma portentosa montaria.
Com perdão da metáfora um tanto forçada, percebo os defensores radicais da causa animal vestindo antolhos.
Cada um com sua respeitável opinião, mas prefiro olhar a História do Cavalo com amplitude. Penso que ao belos quadrúpedes são extensão do ser humano e que não raro os de cima incorporam os debaixo, trocando cérebros por quatro patas, em atitudes que os próprios equinos se envergonhariam. Mas tal discussão também pertence à outra modalidade.
Que no momento registre-se minha reverência e respeito aos cavalos. Devemos ser gratos a eles, contemplar sua beleza, cuidar de suas fragilidades, respeitar suas dignidades e suas condições físicas, e enxergar abertamente e sem cartilhas o amor entre humanos e bichos.
Quanto à ferida do atleta de Paris, que se cure tão logo e que se faça justiça no contexto do universo dos Jogos.
Torço pela ponderação. Nenhum salto além.
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José Guilherme Vereza
José Guilherme Vereza é publicitário, redator, diretor de criação, professor, roterista e escritor de contos, romances, crônicas, o que as teclas mandarem. Tem diploma de Molhos de Massas e Risotos, pretensão para uso estritamente doméstico. Mora em Lisboa desde janeiro de 2022, quando ventos das letras cá sopram um prazer imenso em escrever de tudo, inventar coisas e gentes, dia sim, dia sim. Crônicas Olímpicas é um desses prazeres.
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