Bate a porta do apartamento do hotel. Lá de dentro já vem o anúncio:
– Zero a zero em sets e sete a sete no set.
– Ei, mas o que que é isso? Hip hop? Rap? Zero a zero em sets e sete a sete no sete. – Requebra, debocha!
– Shxiuuuu! Senta aí e fica quieto!
– Eu hein, que bicho te mordeu!
– É a semifinal dos meninos!
Olha, enfim, para a tevê ligada e suspira! Reconhece a camisa da seleção enquadrada e lembra-se que já estava na hora do jogo! Sem pensar, enturma-se fazendo-se de enturmado:
– Ah, é mesmo, que legal! E aí, quanto tá?
O olhar delata a resposta. O placar já mudara. Um dos lados tinha oito, o outro sete! Notada a desconexão, veio uma tentativa de remendo! Dançou o corpinho desajeitado, cantarolando:
Zero a zero em sets e sete a sete no set, zero a zero em sets e sete a sete no set!
Por pouco, o ódio espumaria:
– Pssxchiiiiuuuuuuuu, que já tá nove a sete para eles! Senta quieto aí e vamos torcer que tem muito jogo pela frente!
Sentou e entrou no jogo! Ponto a ponto, até o apito e o definitivo grito! Estavam na final!
Transmissão encerrada, os ânimos eram outros: menos adrenalina, sossego de ansiedade, relaxamento de expectativa. O entorno deixou de ser competitivo, premeditado, condicionado… passou a ser colaborativo, instintivo, livre. Tudo feliz. Tudo vulnerável. Intercambiável. Acoplável! Tudo consoante a arte dos amantes que, enfim, enfim… só então, na vila olímpica, em Tóquio 2020, refirmavam laços íntimos há muito esgarçados pela disciplina do preparo físico e emocional que precede as grandes competições, mas que, num rompante de triunfante tesão pela existência após suas agruras serem purgadas nas arenas das disputas, readensavam a fértil matéria de que foi feita a mútua paixão nascida quando se conheceram no Rio, em 2016!
Em 2024, enamorada pelo marido e treinador, em Paris, na despedida olímpica… só lhe faltava coroar duas trajetórias com a tão desejada medalha que os meninos conquistaram em Tóquio e, em seu ventre, um filho que eles já inventaram desde o Rio!
Em Paris, a despedida. Depois os pretendidos filhos. Pelo menos dois! Quem sabe futuros esportistas! Ela sabia. Ele assentia! Tudo certo, ambos prontos para estabelecer as brechas de paixão mútua aos herdeiros. No ninho, ainda o mesmo fogo que arde na chama olímpica! Decerto, haverá crianças na torcida familiar em Los Angeles 2028!
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Luiz Eduardo de Carvalho
Luiz Eduardo de Carvalho é escritor e editor paulistano, nascido em 1965, foi professor, publicitário e assessor de imprensa, jornalista e gestor cultural nos âmbitos público, particular e do terceiro setor. Dedica-se exclusivamente à produção literária desde 2015, já recebeu mais de 110 prêmios literários e publicou: O Teatro Delirante, Retalhos de Sampa, Sessenta e Seis Elos, Frasebook, Xadrez, Quadrilha, Evoé, 22!, O Pirata Grilheta e os Dragões do Mar, Um Conto de Réis (e de Rainhas), Crônicas do Ofício, Curtas-metragens, Cabra Cega, Q Absurdo!, Multiversos, Mãos de Deus - Biografia do Padre Júlio Lancellotti e Os Primeiros Músicos e Bicho-da-Seda.
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