Aí a pessoa é cega e joga futebol, e não tem os braços e nada em alta velocidade, e tem uma prótese e voa baixo, pelas faixas da pista. Não, não é superação. É talento, é escolha, é caminho decidido a cada dia, como o de qualquer um de nós. Nas bilhões de pessoas que existem no planeta, as deficiências e habilidades convergem, se atropelam, se expressam, se impõem, são perseguidas, são negadas, questionadas, entendidas, utilizadas, ou não.  Então, assistir aos Jogos Paralímpicos é ver aqueles que disseram sim, e depois sim, e mais alguns sins para suas habilidades. E, veja, também para suas deficiências. É muito sim para pouco não e os resultados surpreendem e encantam. E por acaso isso os transforma em heróis ou santos? Não. Seria um jeito fácil, rapidinho, de rotular uma forma de existir que, como qualquer outra, tem muitas complexidades. Mas uma coisa é certa, esses atletas nos colocam em estado de auto-observação, nos convidando para perceber os limites do corpo e da vontade. Seja nas pistas, nas piscinas, nas quadras, eles são incentivadores, técnicos, coaches da arte de dizer sim. E não pela palavra, pela explicação ou por alguma estratégia, mas apenas por florescerem em suas possibilidades. É assim que escancaram uma verdade sobre nós mesmos.
Transporto-me para o ano 2000, quando já estou instalada na poltrona de um voo internacional e noto muitas cadeiras de rodas circulando pelos corredores. A situação atípica me levou a buscar a razão e espichei o pescoço em direção à porta. Era a equipe Paralímpica brasileira embarcando. Depois de decolagem, deu para perceber que não só os uniformes coloridos estavam em harmonia, pois eles também cantavam em uníssono. Ali, a alegria era tanta e de tal forma contagiante que me senti orgulhosa do esporte do meu país de uma forma que não lembrava antes. E olha que não foi das melhores participações, ficamos em 24º lugar no quadro de medalhas, ao contrário dos bons posicionamentos conquistados nas demais edições. E isso não quer dizer, em absoluto, que para eles “o importante é competir”. Não. São atletas e certamente queriam ganhar. Queriam medalhas, de preferência no alto do pódio. Com certeza teve choro, xingamento, insatisfação. Mas o que ficou claro naquele voo é que talvez diante de habilidades e deficiências, vitórias e derrotas, permissões e negações, essa gente inspiradora sabe, melhor do que ninguém, escolher a palavra de ouro.
Sim.
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				Adriana Calabró
						Adriana Calabró é jornalista, escritora e roteirista. Foi premiada nas áreas de comunicação (Best of Bates International, Clube de Criação, Festival de Nova York) e literatura (Selo Puc/Unesco Melhores livros do ano, ProAc – bolsa de literatura, Prêmio Off-Flip, Prêmio João de Barro- 1º lugar, Prêmio Livre Opinião, Prêmio Paulo Leminski, Salão do Humor) e roteiro (Festival de Nanometragem). Idealizou e atua como facilitadora da Oficina de Escrita Palavra Criada (desde 2005). Na área de Letras, desenvolve pesquisa autoral sobre a Escrita e o Processo de Transformação. Lançou 8 livros de ficção, sendo um deles uma “Autobiografia póstuma em vida”. Na dramaturgia montou Trilogia do Fim, e no audiovisual já escreveu centenas de roteiros institucionais, publicitários, documentais e de ficção.					
				
									
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