FAIRY PLAY

Boxe. Veja só. Uma atividade que me dá nos nervos. Cada pancada daquelas e parece que o choque é no meu corpo. No nocaute, então, a contagem decrescente vai aumentando a gastura no meu estômago. Semicerro as pálpebras, retorço a boca, aperto os dentes. Sinto dores pelo olhar. Mas eis que fecho essa série de crônicas falando justamente sobre essa modalidade de que não gosto e mal consigo assistir. Por quê? Pela luta. Pelo exemplo. Pela delícia de um momento de doçura em um dos esportes mais violentos dos Jogos. Aqui também tem fadinha, no estilo musculosa e gay assumida. Vamos lá, vamos ao rounds. Nossa guerreira, Bia Ferreira, nordestina, filha de boxeador, sorriso perfeito, força nos braços e na mente, está indo bem, bate e leva com altivez, ataca como se não houvesse amanhã. Sua oponente é a irlandesa Kellie Harrington, a companheira de Mandy Loughlin por 12 anos, a faxineira que trabalha em um hospital psiquiátrico, a dona de um rosto de histórias de druidas. Poderosa, certeira, Kellie bate o tempo todo também. E muito. Nessa altura, minhas vísceras já estão todas reviradas, mas esqueço minhas preferências esportivas e só torço por Bia, a pequena notável. Aperto meus pulsos, faço um joguinho com o corpo, para a direita, para a esquerda. No meu imaginário, tento escapar dos socos. Que elas não se machuquem. Que assim como nos filmes de heroínas, saiam do meio das brigas, ou do fogo, ou das metralhadoras, sem nenhum arranhão. O narrador diz que Bia está em desvantagem. Franzo as sobrancelhas. Tento entender por quê. Mal consigo olhar, quanto mais perceber como se dá a contagem. Mas persisto. Algo me diz que aquela luta vai me render uma recompensa, um agrado. Uma delicadeza. Coço o meu nariz de nervoso, pensando nos narizes massacrados delas, continuo vendo as pancadas, com a esperança da proteção de rosto que utilizam ser bem eficiente. Os segundos duram micro eternidades e… ufa, fim de luta. Vitória da irlandesa e a confirmação das minhas suspeitas. Meu presente. Kelly abraça Bia e a levanta do chão com o afeto dos fortes. No pódio, chama enfaticamente todas para o lugar do ouro. As quatro finalistas. Todas abraçadas, sorrindo no bloco do primeiro lugar. O quarteto fantástico mostrando que, sim, dá para vencer em bando. Se já está bonito de ver, nas entrevistas, meu coração vai à lona. Bia fala do poder da prata que vale ouro, já vislumbrando o futuro como uma verdadeira vencedora. Kelly diz que voltará ao trabalho no hospital e que vai adorar mostrar a medalha para seus colegas. Se isso não é magia, não sei mais o que pode ser.

Obrigada, Olimpíadas.
Obrigada Crônicas Olímpicas.
Paris, aqui vamos nós.

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