Confesso que li a obra de Nietzche há tanto tempo que pouco me lembro dela, e na verdade, aproveitei o “gancho” do título para fazer algumas poucas e humildes considerações sobre alguns aspectos dos Jogos Olímpicos de Tóquio. Falo especificamente de um fenômeno que venho observando: talvez nunca em uma edição dos jogos tenhamos tido tantos fracassos de semideuses como agora.
Já abordei aqui o tema dos favoritos e suas falibilidades. As pressões exageradas exercidas por aqueles que “esperam” que seus respectivos ídolos nunca fraquejem, nem uma única vez sequer, e, certamente, jamais numa competição da envergadura e importância de uma Olimpíada! No entanto, estamos assistindo com certo espanto a queda de gigantes, um após o outro. Tivemos a derrota de Gabriel Medina no surfe, ele que sendo bicampeão mundial era o óbvio favorito à medalha de ouro, e ficar sem nenhuma deve ter sido uma enorme frustração. A derrota em si é parte de qualquer competição, mas a forma como foi (ou não) digerida, em público, questionando a imparcialidade dos jurados que teriam favorecido o surfista da casa (eu tenho a mesma opinião, mas ela não importa frente à do próprio atleta que deveria ter tido mais parcimônia em suas declarações para não passar a imagem de mau perdedor).
Depois foi o episódio Simone Biles. A pequena gigante simplesmente sucumbiu á enorme pressão a que foi submetida, pelo que se esperava dela e pelo que ela mesma se impunha mentalmente. Muito aplaudida por ter sido humilde e reconhecer que não estava apta a continuar, admirada por uns e criticada por outros. Novamente, já que a crônica é minha e a subjetividade também, eu acho que ela está coberta de razão e o que já fez em sua carreira é suficiente para ser admirada e venerada para sempre. Lembra-me aliás, um episódio de 1976 (olha eu de novo revelando idade….) que aconteceu com o gigante da Fórmula 1, o austríaco Niki Lauda, falecido no ano passado. Após passar por um acidente pavoroso no Grande Prêmio da Alemanha, aonde chegou inclusive, a receber a extrema unção, voltou às pistas meros quarenta dias depois para defender sua liderança no campeonato que defendia. Em Monza, sangrando por baixo da balaclava, mostrando as horríveis marcas de queimadura que o feriram para sempre, Lauda chegou num heroico quarto lugar.
Pois bem, a última prova daquele campeonato, semanas depois, foi o GP do Japão. Lauda tinha uma vantagem de três pontos sobre seu rival James Hunt. Chovia torrencialmente e poucas voltas após a largada, Lauda encostou o carro nos boxes dizendo simplesmente que não tinha condições psicológicas para continuar. Hunt acabou faturando o título e Lauda foi muito criticado, disseram inclusive que ele estava acabado para o esporte. Pois bem, ele ganhou mais dois títulos e provou que a coragem em desistir é parte da estirpe dos grandes!
Biles vai voltar. Tecnicamente ela é um fenômeno. E acho que tendo tido a coragem de expor seus fantasmas num palco mundial vai torná-la ainda mais invencível!
E por fim, temos Novak Djokovic o blaster master tenista sérvio multicampeão e favoritíssimo ao ouro no tênis. Venceu vinte torneios de Grand Slam, incluindo Roland Garros e Wimbledon este ano e, ao ser derrotado na simples nos jogos, disputou o bronze e foi novamente batido por um adversário muito inferior tecnicamente, o que o fez desistir do torneio de duplas mistas e quebrar uma raquete. A faceta que se viu do campeão não foi bonita, e mostrou que por trás daquela fachada de frieza e invencibilidade há um ser humano que ainda tem dúvidas intimas.
Tivemos outros fracassos memoráveis: Teddy Rinner, judoca francês favorito absoluto para a medalha de ouro acabou ficando apenas com a prata no individual (ganhou o ouro por equipes). As skatistas brasileiras que eram bem mais bem posicionadas no ranking que a fadinha Rayssa, que caíram e sequer lutaram por medalhas. Acontece. O esporte é assim mesmo. Hoje se vence, amanhã vem a derrota, com pouquíssimas exceções. Mas assistir à melhor ginasta do mundo ser derrotada por sua própria mente, o melhor tenista quebrar raquetes e sair furibundo de quadra, o melhor surfista alegar ter sido prejudicado pela arbitragem não vai acontecer novamente tão cedo!
Para alguns esportistas o maior adversário está dentro de suas próprias cabeças e não basta a parte técnica estar apurada, se o psicológico não for devidamente cuidado.
E olha que ainda estamos na metade dessa edição dos jogos!
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Cezar Fittipaldi
Escritor diletante, ourinhense de nascimento e coração, professor de escola pública, ex-empresário, eterno sobrevivente nesse país de desafios, encara a vida como uma gigantesca obra literária em tempo real. Seu esporte favorito é o automobilismo, gosta de basquete, atletismo, natação e o futebol já foi mais apreciado. Já assistiu a numerosas copas do mundo, todas pela televisão, e torce comedidamente pelo time do Brasil, sabendo separar ufanismo e nacionalismo de amor ao esporte.
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